60 anos do Dia Nacional do Estudante

Jornal Universitário de Coimbra A Cabra

Em memória de Cesário Silva

As gerações que Coimbra formou

Para marcar o Dia do Estudante, o Jornal A CABRA decidiu falar com três gerações de estudantes que tiveram as suas vidas marcadas por Coimbra. Existem diferenças, mas há também semelhanças que unem estas gerações no percurso da sua vida académica. Desde um estudante preso na Crise Académica de 1962, passando por um seccionista envolvido na cultura e desporto, até um presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), sessenta anos separam estes relatos. 

Por Jorge Botana e Gabriela Moore

Jacinto Rodrigues, um dos “41 de Caxias” 

Nascido em Luanda, em 1939, Jacinto Rodrigues veio para Portugal, em 1960, estudar Filosofia na Universidade de Coimbra (UC). Apesar de só ter estado na cidade um ano antes de pedir transferência para Lisboa, manteve a ligação com Coimbra por causa da namorada e amigos que ainda estavam na cidade do Mondego. 

O caminho era feito principalmente nos fins de semana, mas nem sempre era necessário ter dinheiro para a viagem.

Em 1962, em Lisboa, na altura da celebração do Dia Nacional do Estudante, Jacinto Rodrigues uniu-se ao colega Eurico Figueiredo e, em protesto pela desmobilização das manifestações que estava a ser feita por parte das autoridades, ocuparam uma cantina da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.

 Após ser libertado, Jacinto Rodrigues volta a Coimbra. Quando o colega Francisco Delgado, no Jardim da Sereia, incentivou os estudantes a invadirem a AAC, que havia sido encerrada, Jacinto estava lá e foi atrás dos colegas que partiram as portas e ocuparam o edifício “com uma certa ousadia”, refere. Quando a polícia de choque chegou, todos os estudantes foram revistados. Jacinto relembra que a PIDE também lá esteve e “já possuía o nome de algumas pessoas e escolheram 41 dos estudantes, que foram levados em carrinhas para a prisão de Caxias”. 

Enquanto estavam na prisão, um estudante mais velho, Carlos Mac-Mahon, conseguiu “colocar nos jovens que estavam um pouco abatidos com a prisão, um entusiasmo e uma auto-organização de grupo”. Baseados no livro de Graciliano Ramos, “Memórias de um Cárcere”, os estudantes dividiram-se em ministérios da cultura, da limpeza, da subsistência, entre outros. Jacinto Rodrigues ficou responsável por organizar treinos de ginástica e ‘yoga’ para os restantes colegas. 

Em 1963, foi chamado para a tropa e foi outra vez preso, sob acusação de “exercer atividade contra a segurança do Estado”. Desta vez ficou detido seis meses, porque era um oficial e estava ligado a pessoas que já haviam sido presas. Quando o chamaram de volta para a tropa, Jacinto Rodrigues conseguiu, com ajuda dos colegas das lutas estudantis, fugir do país em 1964 com destino à França, onde ficou exilado por dez anos. 

Foi na Sorbonne que, com uma bolsa concedida pela Organização das Nações Unidas, estudou Sociologia. Depois iniciou os estudos até ao Mestrado em Urbanismo e iniciou a carreira de docente. Em Paris viveu ainda o Maio de 1968, e pôde ver de perto que o movimento “teve uma base de apoio social da classe operária que foi muito importante”. Quando retornou do exílio vivenciou de novo em Portugal o mesmo espírito revolucionário que se refletia também nas universidades, nos modos de ser e agir dos alunos em relação ao estudo. 

O professor reformado da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, que vivenciou toda a história que deu origem ao Dia do Estudante, continua a reconhecer a importância de marcar esta data, mesmo tantos anos depois.

Luís Alcoforado, de Trás-os-Montes aos cinco continentes

Luís Alcoforado saiu da sua aldeia para ir estudar em Coimbra. Sempre afirmou que queria voltar para Trás-os-Montes, mas quando uma boa oportunidade de emprego surgiu no Norte, fez-lhe perceber “que a cidade dos estudantes já era a sua casa” e “já não fazia sentido voltar”. Começou os estudos de Engenharia Eletrotécnica e depois foi para a área que ainda hoje leciona: Ciências da Educação. 

Alcoforado comenta que passou por "dois percursos académicos”. O primeiro foi o do envolvimento na AAC. Colaborou com a Secção de Futebol da AAC (SF/AAC), da qual foi logo presidente, e entrou na Secção de Fado da AAC quando foi constituída.  Como admite, o estudo foi deixado de lado. E, naquela época, falhar a universidade levava a que fosse chamado para a tropa. 

Quando regressou do serviço militar, focou-se um pouco mais nos estudos, mas não deixou de lado a AAC. Em 1988 fez parte da DG da casa, presidida por Ana Paula Barros, e dois anos depois esteve ainda envolvido com a gestão do Estádio Universitário. Além disso, o futebol ocupava uma importante parte da sua rotina: “a SF/AAC é um projeto ao qual me dediquei imenso”, lembra. Com ele na secção, a equipa passou a estar federada.

Sobre estes dois percursos paralelos, o professor confessa ter ainda “dúvidas de qual é que foi mais útil” na sua vida. Na associação, Alcoforado construiu um grupo de amigos “que mantém até hoje”. Além da amizade, considera que o facto de os estudantes poderem ter “um espaço de vida enriquecido com atividades culturais e desportivas” fora dos cursos é uma oportunidade para atingir uma “formação melhor, mais holística e integrada”. 

No momento, Luís Alcoforado é professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC. Embora ache que o encurtamento dos cursos por causa do Processo de Bolonha “cria dificuldades para a participação dos estudantes a longo prazo”, considera que a AAC “mantém a vitalidade que tinha naquele tempo” e aplaude que o trabalho das secções seja hoje ainda “tão meritório” como era naquela altura. 

Nas suas aulas conta as experiências que viveu no seu percurso académico em Coimbra. Graças ao seu trabalho nas atividades da casa, o professor conseguiu viajar pelos cinco continentes. Luís Alcoforado assegura que “não teria tido oportunidade nenhuma de ter estas experiências” se não fosse pelo seu envolvimento na AAC.

Luís Alcoforado fez parte da primeira geração que aparece após a obrigatoriedade de ir à guerra, e lembra a vida num ambiente em que eram “desafiados a um grande pensamento e discussão politica”. Em relação ao momento atual, considera que os estudantes continuam a “ter preocupações semelhantes” às que se tinham no seu tempo e convida-os a “continuar a lutar e não deixar que se decida sobre eles sem estarem presentes”. 

Alexandre Amado, advogado da luta contra as propinas

A relação de Alexandre Amado com a Academia começou cedo. O facto de ser natural da cidade dos estudantes fez com que a AAC fosse um “símbolo” para ele “desde muito pequeno”, conta. O seu primeiro contacto com o associativismo estudantil, lembra, foi no secundário: “a curiosidade e a vontade de transformar levaram-me a envolver”.

Foi com essa atitude que continuou até chegar à universidade, quando começou a ter uma noção real do que a AAC representava. Não participou em nenhuma secção cultural ou desportiva, mas envolveu-se “logo no primeiro dia” de aulas, quando começou a estudar Direito. 

O seu percurso pela Academia começou no núcleo de estudantes da sua faculdade. Iniciou desde logo o seu contacto com a estrutura académica. Foi presidente e vice-presidente do Núcleo de Estudantes de Direito da AAC, representou os seus colegas no Senado da UC e, em 2016, decidiu candidatar-se a presidente da DG/AAC. 

Alexandre Amado entrou na presidência da DG/AAC em 2017 e permaneceu em 2018. “O único momento em que me senti plenamente preparado, era quando tinha de ir embora”, lembra com humildade. Para Amado, conhecer o funcionamento da associação “demora tempo” e lamenta que o encurtamento dos cursos, devido ao Processo de Bolonha, “tenha tido um impacto significativo” no associativismo. O ex-dirigente acredita que “a sobrecarga dos estudantes foi péssima para AAC” ao reduzir a possibilidade de as pessoas participarem na vida da casa  “de uma forma mais profunda e prolongada”. 

Neste sentido, o ex-presidente da DG/AAC considera que se tem sentido um “decréscimo” na participação dos estudantes nas Assembleias Magnas devido às condições criadas nos últimos anos com o Processo de Bolonha. Sobre a representação estudantil no Conselho Geral da UC, Amado considera que existe “desproporção”. “Os estudantes devem ser encarados como agentes do ensino superior”, afirma. E rejeita a ideia de perceber o papel do estudante como “um cliente” a receber um serviço. 

Embora a participação e a mobilização dos estudantes tenha reduzido, Alexandre Amado acredita que “há momentos de altos e baixos” e “depende sempre” do contexto. Neste sentido, lembra um dos pontos fortes do seu mandato: a mobilização dos estudantes em 2018, com a qual se conseguiu uma redução de cerca duzentos euros nas propinas.

Sobre a atual geração, Alexandre Amado considera “uma vantagem“ que seja “a mais preparada de sempre” e destaca a “capacidade de mobilização” que ainda conserva. A pensar no futuro, o ex-mandatário da associação fala da “questão do emprego qualificado” e a “falta de dignidade profissional” como “os principais desafios” das novas gerações.  

Para Alexandre Amado, comemorar o Dia do Estudante é “valorizar o seu papel como agente cívico, de mudança e de mobilização” e critica a “atitude paternalista” dos políticos neste dia. Assim, pede que os problemas dos estudantes estejam presentes sempre na agenda política e não apenas nesta data.

Repúblicas de Coimbra: para lá do que as paredes nos contam

Espaços lendários na vida académica, as repúblicas de Coimbra surgiram para dar resposta ao problema de escassez habitacional para os estudantes. Enquanto locais já antigos, demarcam a realidade estudantil e a paisagem urbana da cidade. Nestes espaços resiste o espírito crítico e reivindicativo, marcado pela defesa de interesses como a liberdade e a democracia.

Por Raquel Lucas, Luísa Macedo Mendonça e Sofia Ramos

Em Coimbra existem mais de 20 repúblicas, diferenciadas pela sua gestão, organização, espírito social e orientação política. Cada uma tem um nome, muitas vezes marcado pela sátira e ironia. Todos os anos comemoram o seu centenário, pois “um ano numa República equivale a 100 anos na vida real”.

Alguns símbolos marcantes destes espaços são os seus hinos, os decretos e os murais que, sob a forma de frases, desenhos e pinturas, enchem as paredes com histórias, assim eternizadas. A vida boémia e os convívios com debates variados são outros dos aspetos que caracterizam a essência de cada casa.

Durante a década de 1960, estas casas desempenharam um papel muito importante na política nacional, nomeadamente na luta pela democracia e pela liberdade. A crise académica de 1962 foi um dos mais impactantes conflitos estudantis contra o Estado Novo e está na origem da comemoração do "Dia do Estudante" a 24 de março.

Real República do Bota-Abaixo (1949)

O nome da República surge de um desafio ao Estado Novo para, na altura em que a edificação do Pólo I começou a ser idealizada, a casa ser "botada abaixo".

Acompanhado de cartazes com a frase "E o burro sou eu?" de Luiz Felipe Scolari, antigo selecionador nacional, o burro de papel sai à rua em tempos de manifestação. Constitui um insulto contra quem a casa se estiver a manifestar.

O mural representa várias fases do percurso de um estudante coimbrão: o primeiro exame, a primeira vez que é cobrado pelo senhorio e o julgamento de praxe.

"Ká-trá-ká" é o grito oficial da casa. Significa "este é o caminho", em kimbundo, língua muito falada em Angola.

Foi neste quarto que Zeca Afonso, músico de Abril e frequentador da casa, tirou a fotografia para a capa do seu primeiro álbum.

República dos Galifões (1947)

O nome "Galifões" deve-se à antiga configuração da Alta Coimbrã, composta por várias quintas que criavam galinhas. O mito conta que os estudantes as furtavam durante a noite e convidavam os fazendeiros para jantar o animal que outrora fora deles.

Numa altura em que a luta contra a propina se intensificou, antigos estudantes da república trouxeram a mascote da Expo 98, o Gil, para casa. Quando este foi devolvido, trazia consigo a frase "mais vale desaparecer do que pagar propinas".

Um antigo repúblico, conhecido como "Loureiro", foi preso pela PIDE durante a Crise Académica de 62. O estudante enviou aos colegas uma carta em que pedia coisas como livros para estudar e tabaco. A carta foi sujeita à censura, pelo que se pode ver riscado a vermelho alguma informação que era proibida.

Os cães representam aquilo que prejudica o estudante. O rasgar da capa é uma alusão às dificuldades de um universitário.

A fotografia ilustra a geração conhecida como a Comuna dos Galifões. A casa atravessou várias fases, desde uma altura mais radicalizada dos seus membros, durante a década de 70, até uma fase mais conturbada, marcada por um incêndio que destruiu o espaço, em 1985.

Real República Corsários das Ilhas (1954)

Vizinhos dos "galos", os Corsários das Ilhas partilham uma fachada do edifício com os seus "padrinhos".

Apesar de terem uma boa relação, a dinâmica entre ambas as repúblicas centra-se em posições que divergem em relação à Praxe. Esta diferença criou uma rivalidade que durou muitos anos.

A casa foi fundada por estudantes provenientes da Madeira e dos Açores. Penduradas na parede, estão as cartolas dos primeiros Corsários das Ilhas.

Real República Prá-Kys-Tão (1951)

A Real República Prá-Kys-Tão situa-se no mais antigo edifício de Coimbra, que remonta ao século XVI.

Vários murais da casa associados à Praxe foram pintados por cima. No entanto, alguns foram mantidos, dado que, segundo os membros, "fazem parte da história da casa e devem ser conservados".

A sala de jantar e a sala de estar partilham o mesmo espaço. No teto da divisão encontram-se dois candeeiros furtados das escadas monumentais.

Pelas paredes e divisões da Prá-Kys-Tão é possível tatear o espírito de contestação, próprio da sua identidade.

República das Marias do Loureiro (1993)

Surge como Solar em 1993 fundado por militantes comunistas, num espaço cedido pela Universidade de Coimbra.

Caracterizam-se como uma república ativista e anti-praxe. Este é o local onde nasceu um dos núcleos da União de Mulheres Alternativa e Resposta.

A essência feminista da casa intensificou-se com o passar do tempo. Composta sempre por mulheres, começou mais tarde a acolher homens transgénero e pessoas não-binárias.

O mural pintado na parede da sala foi criado ao longo de 2016 e 2017 por Marias, visitantes e amigos da casa. Durante a mesma altura, foi criado o hino que se encontra na parede adjacente.

República da Praça (1953)

O lema "Os que por falta de água nunca passaram sede" relembra o período de um ano e meio, nos anos 90, em que os membros do na altura Solar da República passaram sem água.

A República da Praça sempre esteve a braços com a lei por desavenças com senhorios. No seu último processo em tribunal, em maio de 2012, a justiça atribuiu à casa o direito a indemnização por danos físicos e morais. Para contestar, os moradores exigiram a "mera quantia de um euro", hoje exposto na parede.

Em 1993, um dos moradores esqueceu-se de pagar a renda. Como retaliação, o senhorio da altura colocou um bloco de cimento na frente do contador da água, o que fez com que, no período de um ano e meio, os estudantes vivessem sem água no local.

Em 2012 surge a nova lei do arrendamento urbano, a Lei n.º 31/2012, o que causou um aumento das rendas. Por esse motivo os membros tiveram de mudar de casa. O desenho simboliza a passagem do espaço antigo para o atual local. Em 2015, a casa foi comprada pelos repúblicos que lá viviam.

Antes de professor, estudante

Professores-estudantes contam experiência da carreira de docente na Universidade de Coimbra. Colmatar debilidades do sistema de ensino é prioridade para novos professores.

Por Clara Neto, Sofia Variz Pereira e Mateus Rosário

A realidade de um docente que é, em simultâneo, estudante, acaba por ser um desafio para aqueles que exploram este caminho. Quem o percorre acaba por entender os dois lados da moeda. Em depoimento ao Jornal A CABRA, as doutorandas Carolina Cabaços e Maria Paixão, o mestrando Pedro Marques Dias e também a professora Rebeca Berenguer explicaram a sua experiência no ensino. 

O desafio 

Os docentes demonstraram que a tarefa se reflete num ganho enriquecedor, mas ao mesmo tempo num sacrifício. Carolina Cabaços, médica interna de psiquiatria do 4º ano no Centro Hospital da Universidade de Coimbra (CHUC) e aluna do doutoramento de Ciências da Saúde, comenta que a maior dificuldade de estar no estatuto de trabalhadora-estudante “é a gestão do tempo”, uma vez que já se dedica à profissão a tempo inteiro. 

Maria Paixão, docente assistente-convidada da Faculdade de Direito da UC (FDUC) e investigadora doutoranda da área de Direito Público e Ambiental, revela que estar nas duas vertentes do ambiente académico permite-lhe “compreender os dois lados”. Admite que “ser estudante não é fácil” e, por isso, tenta abrir espaço para os alunos partilharem as suas angústias. No caso da investigadora, a maior dificuldade em combinar os dois mundos é também a de “compatibilizar as tarefas em função do tempo”.

Embora ainda nos primeiros passos na carreira de docência, Pedro Marques Dias, adjunto de ensino na área de Ciências Jurídico-Políticas e mestrando de Direito Fiscal, compartilha a sensação de “passar para o outro lado da barricada”. O auxiliar das unidades curriculares de Direito Fiscal I e Procedimento e Processo Tributário, da licenciatura e mestrado, respetivamente, vê o ensino e o sistema universitário como “muito díspar, no sentido em que não se visualizam os professores como a continuidade natural daquilo que se está a fazer enquanto estudante”. 

Rebeca Berenguer, professora de nacionalidade espanhola, também recorda o ano letivo de 2017/2018. Entrou como professora para lecionar a língua do seu país de origem, enquanto estudante de mestrado da UC. Estar nesta situação é “ter de combinar todas as coisas e ter tempo para tudo”, revela a docente. Ainda em relação a conseguir esta conciliação, confessa que o segredo está na “motivação e na boa organização”. 

A proximidade como pilar do futuro

Os professores-estudantes tentam colmatar as debilidades que sentiram na pedagogia da UC enquanto alunos. A distância entre professor e estudante foi um ponto a ter em conta por Carolina Cabaços. Segundo a professora de Psicologia Médica, a rede social ‘Whatsapp’ foi a resposta a esta adversidade.

Maria Paixão afirma tentar ser “mais atenciosa e compreensiva”, uma vez que reconhece que “ser estudante não é fácil”. A docente revelou um contacto mais próximo com os estudantes durante o período de exames ‘online’. “Sinto que tiveram espaço para falar e se abrir sobre as dificuldades”, explica a professora de Direito Internacional Público.

Tanto Maria Paixão como Carolina Cabaços destacam ainda que o facto de serem estudantes permite adquirir novos conhecimentos que podem, mais tarde, aplicar em aula. Ambas as docentes organizam as suas sessões, de modo a acompanhar os temas da atualidade. 

Já para Rebeca Berenguer, a importância da função ganha um carácter prático de desenvolvimento profissional e académico. A docente explica que as matérias lecionadas nas suas aulas de mestrado serviram para a sua atividade de professora, uma vez que conseguia “aplicar os programas, as atividades e metodologias”. Pedro Marques Dias refere que “depois de perceber as debilidades que o sistema de ensino tem, cabe a cada iniciante colmatar as falhas e fazer a diferença”. 

Dos bancos da UC para os quadros da faculdade

Maria Paixão, docente da FDUC, desde a licenciatura que considera prosseguir a carreira em que agora se encontra. O interesse, esse advém da teoria.  

A progressão académica foi algo que Carolina Cabaços sempre desejou conseguir. Fazê-lo na faculdade onde concluiu o curso foi um motivo de celebração. Além disso, a doutoranda em Ciências Sociais referiu também que faz muito sentido “crescer e contribuir para o futuro da academia” que acredita que a UC pode ser. 

A inspiração de Pedro Marques Dias desenvolveu-se a partir da sua proximidade com o seu orientador de mestrado. Percebeu que tinha “interesse em participar de forma ativa no tipo de docência que o orientador leva a cabo”, referiu o mestrando.

Estudantes da UC expõem problemas por resolver

“Carregar a tradição às costas, com tantos anos de vida e lutas estudantis” motiva estudantes de Coimbra para se fazerem ouvir. Reitor da UC revela total abertura “para se construírem pontes e consensos”.

Por Ana Filipa Paz e Cristiana Reis

O legado deixado pelas reivindicações estudantis e o ambiente que o associativismo da comunidade promove, continuam a fazer-se sentir na vida universitária atual. Para assinalar o Dia Nacional do Estudante, o Jornal A CABRA foi conversar com estudantes de diferentes faculdades da Universidade de Coimbra (UC). 

Todos os anos a UC recebe novos estudantes que experienciam a vida académica e a cidade de forma particular. Para Mariana Mendes, aluna de Línguas Modernas na Faculdade de Letras da UC (FLUC), “ter conseguido entrar na universidade foi o início de uma grande viagem”. Sofia Henriques, aluna de Direito na Faculdade de Direito da UC (FDUC), evidencia a importância de estudar “numa universidade com muita história e com uma grande relevância a nível político que ajudou a formar muitas opiniões e pessoas".  Já Tomás Frias, também estudante da FDUC, considera que “carregar a tradição às costas, com tantos anos de vida e lutas estudantis” é o melhor que Coimbra tem para oferecer.

Os estudantes destacaram os momentos de convívio como um dos principais aspetos positivos de estudar na UC. Mafalda Rocha e Joana Faria, alunas do primeiro ano da licenciatura em Química na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC), acreditam que “o facto de haver uma vida fora da universidade marca o percurso de todos os que por aqui passam”. A grande maioria dos alunos afirma que o facto de as faculdades estarem mais próximas, ao contrário do que acontece noutras cidades, permite uma maior ligação entre os membros da comunidade académica.

A necessidade de revisão dos horários e do programa das cadeiras, as condições das infraestruturas e a falta de comunicação entre os docentes e os alunos são alguns dos problemas reconhecidos pelos estudantes. Marisa Silva, estudante do segundo ano na licenciatura em Medicina na Faculdade de Medicina da UC (FMUC), refere que o método de ensino “por vezes se torna pouco apelativo, pela falta de interatividade”.

A falta de estruturas para pessoas de mobilidade reduzida é outro dos problemas destacados. Na FDUC “algumas das condições não são tidas em conta, assim como o conforto dos estudantes”, afirma Sofia Henriques. A falta de lugares suficientes nas salas de aula para todos os alunos da turma e a má organização durante o período relativo à época de exames fizeram surgir grande discussão entre os estudantes. 

A maior parte dos estudantes apela a que se preste uma maior atenção às suas considerações. O reitor da UC, Amílcar Falcão, sublinha que “a reitoria está atenta às reivindicações” e “defende uma cultura de diálogo e proximidade entre as direções das unidades orgânicas e os representantes eleitos dos estudantes”. No entanto, Maria Mateus, aluna do Mestrado Integrado em Engenharia Física na FCTUC, defende que “é preciso haver uma melhor ligação entre aluno-professor” e que “a própria faculdade deveria ter mais abertura ao que os alunos dizem, sobretudo em termos de avaliação”. 

Ainda na FCTUC, verificam-se problemas no que toca à área de investigação. Maria Mateus chama à atenção para a falta de meios por parte do Estado para apoiar a ciência, uma vez que as próprias bolsas atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia “não são suficientes''. Amílcar Falcão reconhece que “o financiamento estatal é determinante para o normal funcionamento de uma instituição de ensino superior público, como é o caso da UC”. Vítor Hugo, estudante de Estudos Artísticos na FLUC, testemunha que “muitos colegas perdem oportunidades por causa da falta de apoio do Estado”. O reitor concorda que “falta acabar com o subfinanciamento crónico: com meros paliativos, sem um aumento real do orçamento para as instituições”. Alice Silva, estudante da Licenciatura em Línguas Modernas na FLUC, recorda que a situação de trabalhador-estudante merece especial reconhecimento, pelas implicações no que toca à bolsa. “Isto não permite a nenhum estudante guardar algum dinheiro para si próprio”, comenta.

Os apoios monetários não são a única preocupação dos academistas, que colocam a saúde mental entre as primeiras. Maria Valente defende que “cada universidade devia ter uma rede de psicólogos ou psiquiatras que funcione, em especial devido à situação da pandemia e à pressão dos exames”. A aluna relembra que “às vezes só se pensa na questão monetária e o apoio de um profissional já seria muito importante”.  Adiciona, ainda, o facto de “o Estado e a universidade não fazerem o suficiente para prevenir estes problemas”. 

No entanto, Amílcar Falcão declara que se “tem procurado responder às necessidades dos estudantes, com ganhos de eficácia e melhoria, mas também ao nível dos serviços de atendimento e do ensino”. O reitor confessa que quer “fazer sempre mais e melhor nas diferentes vertentes”. Amílcar Falcão aponta que “para o bom funcionamento da UC” é necessário que “todos juntos remem para o mesmo lado”. Revela, por fim, total abertura para “construir pontes e consensos”.

Aposta no Digital é uma “prioridade global” da UC

Em março de 2020, a pandemia obrigou a Universidade de Coimbra (UC) a alterar o seu modelo de ensino presencial. Hoje, docentes e estudantes têm à sua disposição o UCTeacher e o UCStudent, plataforma desenvolvida por uma equipa da universidade, que foi distinguida com um prémio no “Portugal Digital Awards”. O Jornal A CABRA entrevistou o vice-reitor de Finanças e Recursos Humanos, Luís Neves, para saber que evolução houve na UC nos últimos dois anos e qual o caminho para o futuro. Uma das preocupações foi garantir que “ninguém ficasse para trás nesse processo”, sublinha o vice-reitor.

Por Larissa Britto e Fábio Torres

Antes da pandemia, que projetos estava a UC a desenvolver na área do digital?

No programa com o qual o atual reitor se candidatou, tínhamos já prevista uma significativa transformação digital da universidade. A pandemia veio apenas acelerar esse processo e mudar também um pouco as prioridades. Havia algumas questões que nós tínhamos identificado para, de facto, desenvolver e que passaram a ser não tão prioritárias face a outras. A pandemia, de repente, veio-nos trazer como desafios, sobretudo na componente educacional. 

Como se recordam, nós subitamente confinámos e tivemos que começar a dar aulas ‘online’. Tudo o que tinha a ver com o suporte digital à lecionação passou a ser prioridade absoluta. Assim como também algumas questões ligadas à área administrativa.

Consegue adiantar, em valores numéricos, o investimento em novos equipamentos e ‘softwares’, desde o momento que começou a pandemia?

Numa universidade tão grande é difícil responder a essas perguntas, porque cada faculdade, unidade ou extensão cultural tem os seus próprios orçamentos. Há muito investimento que foi feito e qualquer número que se avance não está devidamente identificado. 

Na questão associada à pandemia, investimos não apenas em equipamento - como computadores e ligações de banda larga - mas também em questões de segurança, como os portões de acesso às instalações. Investimos muitas centenas de milhares de euros. Há investimento que é reprodutível, e que vai continuar a ajudar-nos no futuro e há outro que foi transitório, ou seja, teve apenas que ver com a pandemia. 

Como é que surgiram as plataformas UC Teacher e UC Student?

Foi uma das súbitas prioridades que tivemos, quando a pandemia nos obrigou a ficar em casa. Nessa altura, tivemos que arranjar soluções imediatas para poder ter lecionação ‘online’. Não fomos diferentes das outras universidades, pois acabámos por recorrer àquelas plataformas comerciais que já existiam. Isso, numa primeira fase, ajudou a resolver o problema, mas nós quisemos ir mais além.

Nessa época, lançámos o repto a uma equipa de desenvolvimento de informática da UC e eles, de forma corajosa, aceitaram. Desenvolver uma plataforma com capacidade de vídeo não é uma coisa trivial. Nós achámos que era uma aposta que valia a pena fazer e, em seis ou sete meses, a equipa informática conseguiu desenvolver a plataforma a que nós chamamos de UCTeacher, na ótica do docente, e UCStudent, na do estudante. É uma plataforma cem por cento feita pela UC, que tem componente de vídeo para as aulas e tem todo um conjunto de outras funcionalidades que permitem aos docentes e aos estudantes estarem em contacto permanente. 

Nos tempos que correm, as pessoas estão habituadas às redes sociais. Os nossos estudantes estão em contacto direto uns com os outros e, por isso, faz todo o sentido ter uma plataforma que faça isso com os docentes. Teve um sucesso tão significativo que nos permitiu ganhar, no ano passado, o “Portugal Digital Awards”, um prémio para a melhor plataforma no domínio da educação, na categoria de ‘Best Education Project'.

O que é que significou para a UC receber essa distinção?

Foi um reconhecimento importante porque foi uma aposta de risco do ponto de vista da gestão da universidade, para a equipa que aceitou fazer o desenvolvimento desta plataforma. É recompensador vermos que é reconhecido a nível nacional. 

A plataforma surgiu por causa da pandemia ou era algo que já estava nos planos da universidade, até para a aposta em cursos à distância?

Dentro daquilo que seria um conjunto de mudanças digitais que estavam previstas no programa do reitor, tínhamos no horizonte pensar alguma coisa na área do ensino à distância. Foi uma enorme aceleração e antecipou alguns anos aquilo que seria um cronograma para desenvolvermos uma plataforma deste tipo.  

O resultado desta plataforma correspondeu às expectativas iniciais?

Há uma enorme diferença no sistema público em termos de contratação: entre comprarmos uma solução ou desenvolvermos ‘in-house’. Quando nós compramos algo, temos uma expectativa de termos algum retorno, que é uma determinada configuração com certas funcionalidades. Depois, quando usamos ou ficamos satisfeitos ou não e não há muito mais a fazer. Aquilo que nós estamos a fazer é um bocadinho diferente: é ter uma equipa interna de desenvolvimento. Está em evolução constante. 

Qual tem sido o ‘feedback’ dos estudantes e dos professores das plataformas?

Há sempre alguma perspetiva menos positiva que tem a ver com a mudança. As pessoas estão habituadas a utilizar determinadas ferramentas e, de repente, quando temos novas ferramentas para utilizar, com interfaces diferentes, há alguma reação menos positiva de habituação a essa nova plataforma. Mas penso que, em geral, as pessoas compreendem a enorme vantagem que tem a utilização de sistemas da própria UC, até pelas funcionalidades que são adicionadas e que tornam a experiência cada vez mais interessante, mais simples e mais versátil. 

E nessa linha de desenvolvimento, o que há ainda a melhorar na plataforma? Por exemplo, a disponibilização do material de apoio. 

A plataforma, neste momento, no âmbito das funcionalidades já tem muita coisa associada. Acho que nos materiais de apoio ainda podemos tornar a experiência um bocadinho mais próxima daquilo que era a organização que os docentes e os estudantes gostariam de ter. Do ponto de vista da compartimentação de unidades curriculares, por exemplo, há algumas melhorias a fazer.

Aquilo que muitos estudantes se queixam, é, por exemplo, da ausência das notificações….

Acho que as pessoas têm alguma saudade dessa compartimentação, porque se habituaram. A forma atual de trabalho tem mais potencialidade. Contudo, não quer dizer que também não replique um pouco aquilo que era a lógica anterior, se as pessoas se sentem mais confortáveis com isso. 

E em relação à existência de duas plataformas: o UCTeacher e o Inforestudante - tencionam manter essa divisão? 

Continuaremos a ter as duas. O Inforestudante/Infordocente, que nós chamamos de NONIO, é uma plataforma académica, já com bastantes anos, desenvolvida também na UC de raiz. É quase insubstituível, do ponto de vista da gestão académica, porque tem uma enorme complexidade neste momento de gestão dos planos de estudo e candidaturas. 

Reparem que o UCTeacher/UCStudent pode ser utilizado para além do ensino ‘online’. É uma questão que eu gosto muito de frisar, porque a pandemia vai acabar (esperemos), mas nada impede um docente de utilizar estas ferramentas, por exemplo, para reunir com os seus estudantes. Tem a sala pessoal da turma, ou pode criar um grupo ou até disponibilizar uns conteúdos pré-gravados para os alunos visualizarem e discutirem numa aula. Portanto, traz toda uma tecnologia adicional que acho que é de extrema importância e que é fora daquela órbita da gestão académica mais pura e dura - essa vai manter-se no NONIO.

Do ponto de vista de utilização, estamos a fazer uma ponte entre os dois sistemas para permitir, por exemplo, que um docente que tenha que realizar alguma operação no NONIO ou no UCTeacher, possa ter a possibilidade de saltar para o NONIO sem ter que se autenticar de novo. Vamos ter uma autenticação partilhada. Além disso, está a ser desenvolvida uma aplicação para facilitar a comunicação da UC com os estudantes.

Qual foi o principal desafio na adaptação para o modelo ‘online’, no início da pandemia? 

Eu diria que a questão não é tanto tecnológica, é mais o 'mindset' dos docentes. Quer para os docentes, quer para os alunos, foi uma aventura. Mudar de um momento para o outro a forma de trabalhar, foi muito duro para todos. Apesar de tudo, conseguimos sair bem dessa situação inesperada. 

Do ponto de vista da qualidade do ensino, é óbvio que nem tudo foi perfeito, como não pode ser, mas acho que correu relativamente bem. Mesmo em tempos de exames, conseguimos o mínimo de credibilidade para aquilo que foi a avaliação final. Foi um desafio enorme para a Academia, não apenas para a nossa. Estas ferramentas tecnológicas de que estivemos a falar ajudaram, mas, acima de tudo, há aqui uma questão pedagógica que só foi vencida com muita ajuda do corpo docente e dos estudantes.

O modelo híbrido veio a acrescentar dificuldades ou novas potencialidades ao método de ensino?

O modelo híbrido traz dificuldades tecnológicas e acho que também alguns desafios pedagógicos adicionais. Uma questão que se colocou nesta situação de pandemia, quando houve o retorno às aulas, mas com restrições: o distanciamento não permitia que todos os estudantes estivessem na sala de aula. Obrigou-nos a desenvolver formas de conseguirmos ter um docente a dar aulas para alguns alunos presencialmente e para outros, em simultâneo, através da plataforma. 

Que tipo de apoios foram dados aos estudantes carenciados, seja a nível de equipamentos, seja em relação ao próprio acesso à internet também?

Nós tivemos alguns programas da universidade e também alguns com apoio do Banco Santander de emergência, no âmbito dos quais adquirimos umas largas dezenas de milhares de euros em equipamentos para dar aos estudantes. Adquirimos ‘tablets’, computadores e acessos de banda larga para estudantes com dificuldades financeiras. Tivemos esse apoio e acho que conseguimos que ninguém ficasse para trás nesse processo.

Ainda em relação ao investimento no digital, pode ser uma maneira de aumentar a integração de pessoas com deficiência? Por exemplo, o recente investimento que a Biblioteca Geral da UC fez para novos equipamentos.

Sim, claro. Algumas dessas plataformas têm tido esse tipo de preocupação também, para tornar mais fácil a experiência de utilização. Acho que temos aqui potencial para, no futuro, através da utilização das plataformas, dar mais facilidade a pessoas que têm alguma dificuldade. Em relação ao ensino presencial puro, há algumas vantagens a reter.

O digital pode ser uma forma da UC atrair alunos internacionais para formações a distância?

É algo que temos que realmente potenciar. Estas plataformas foram desenvolvidas, numa primeira linha, em resposta à pandemia, mas, agora que já as temos, precisamos de as potenciar para o futuro. Sobretudo, em contextos de maior normalidade e explorar a possibilidade de ter cursos em regime ‘online’, não conferentes de grau, mas também conferentes de grau, estão em vista. 

Temos também a modalidade do ‘B-learning’: é possível ter cursos que misturam uma componente presencial e uma componente ‘online’. Hoje em dia, com este modelo de Bolonha, é normal um estudante, após concluir a sua licenciatura, poder conseguir de imediato um emprego, a alguma distância de Coimbra e isso, depois, não é compatível com tirar um mestrado na nossa universidade. Portanto, a utilização, especialmente em cursos mais avançados do ‘online’, pode-nos permitir sempre manter uma componente presencial, como é evidente, mas também ajudar a ter estudantes que não vivem em Coimbra, mas que estão interessados em tirar um curso na cidade.

Quais as apostas que existem para o futuro?

Falámos muito na componente mais ligada aos estudantes, que também é aquela que vos interessa mais. Contudo, não queria deixar de salientar que não foi apenas nesta área que a universidade evoluiu muito. 

Por exemplo, neste momento temos já nos nossos sistemas internos, no NONIO, para os docentes, a assinatura digital das pautas. Portanto, acabámos com pilhas de papel todos os anos (que era a impressão e assinatura manual das pautas). O UCTeacher permitiu que o processo de validação das aulas deixasse de ser feito também com a impressão de folhas de papel. Agora, é só ir ao UCTeacher clicar num botão a dizer que a aula foi dada. 

Nos nossos sistemas, digamos mais de natureza administrativa, implementámos também a assinatura digital e, neste momento, está praticamente a cem por cento. É um processo logístico que não é fácil, porque são muitos documentos a circular entre as faculdades e a administração central.

Este tipo de soluções têm estado a ser desenvolvidas e temos muitas mais coisas previstas para o futuro. Portanto, a nossa digitalização não se resume à componente letiva, que não deixa de ser importante, mas, sobretudo, é uma prioridade global da instituição em todos os seus setores de atividade.

A Crise Académica de 62' em Coimbra

Pelo Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra - Magnum Consilium Veteranorum

A Crise Académica de 1962 foi o primeiro grande conflito que inaugurou uma década de contestação Estudantil. Sendo amplamente conhecidos e recordados os acontecimentos na cidade universitária de Lisboa, este artigo prende o seu foco nas contribuições da Academia de Coimbra em alicerçar a sua liderança dos movimentos Estudantis à escala nacional. Para compreender esta Crise, que não se trata só de um evento pontual mas sim duma sucessão de acontecimentos catalisadores, é preciso recuar alguns anos para dar ao leitor um panorama do contexto do ensino universitário in illo tempore.
Em 1957 a promulgação do Decreto 40.900 instaurou nas várias Associações Académicas do país um regime de Comissões Administrativas nomeadas directamente pelo Estado minando os princípios de auto-gestão e de independência das Associações Académicas, despoletando assim, um sentimento de contestação nacional junto dos vários corpos Estudantis. Em Coimbra a luta toma forma através dos vários cadernos reinvidicativos da Associação Académica e a Praxe começa publicamente a adoptar componentes de oposicionismo político ao Estado Novo.
Em 1961, na Latada da Faculdade de Letras empunharam-se cartazes como "O Tó (Salazar) tem um cancro. Coitado do cancro" e "Angola é Nossa" levada por um Caloiro negro, provocando uma resposta policial que acabou com um estudante preso.
Como forma de contestação à repressão, a 25 de Novembro desse ano é dinamizado por Coimbra a comemoração da Tomada da Bastilha à escala nacional. O Conselho de Veteranos lança um decretus a decretar o Luto Académico e coloca em desenho o então Presidente da República Américo Tomás "a pastar". O decretus é considerado político e o Dux Veteranorum, Joaquim Cantante Garcia, e mais 15 Veteranos são também eles presos. Reunidos em Assembleia Magna, esta condena as prisões e pede à Direção-Geral para interceder junto da Pide e do Ministro do Interior, ao qual a resposta é que vai haver uma intensificação da política de dureza para com os Estudantes. O Reitor Braga da Cruz adopta uma posição pública contra os Estudantes, considerando a Assembleia Magna "Tribunal do Povo" e os estudantes uma claque de futebol.
Em Fevereiro de 1962, realiza-se em Lisboa uma reunião de dirigentes das várias Academias do país onde se decide pelo I Encontro Nacional de Estudantes, em Coimbra. Um despacho do Ministério da Educação proíbe o encontro e o Reitor demarca-se publicamente do evento, aconselhando à AAC o rompimento da colaboração com as outras Associações.
No mês seguinte, o Estado proíbe na véspera a celebração do Dia do Estudante, o que gera uma reacção nacional de várias Associações. A 24 de Março, centenas de estudantes de Coimbra dirigem-se de autocarro e comboio para Lisboa mas são interceptados e cerca de 40 são forçados a mudar de itinerário para Caxias. Informado das prisões dos estudantes o Reitor comenta: "Estão presos? Lá terão uma cela e uma cama para dormir." Estas declarações culminam no dia seguinte com uma luta aberta no Paço das Escolas entre centenas de estudantes, policias e archeiros.
A Assembleia Magna retira a confiança ao Reitor, e em resposta o Ministério demite a Direção da AAC nomeando uma Comissão Administrativa instantaneamente desnomeada pelos Estudantes.
A crise em Coimbra prolonga-se até ao fim do ano com a Direcção-Geral da Associação Académica a ser demitida por mais duas vezes, a sede da Associação Académica barricada, invadida, re-barricada e fechada outra vez até ao fim do ano lectivo. Num desses confrontos os estudantes tomam de assalto (mais uma vez) a Torre da Universidade, fazendo ecoar na cidade os sinos a rebate. Num gesto histórico sem precedentes -e espinha-, o Reitor apela à Polícia de Choque que invada as próprias instalações violando os Estatutos e autonomia da Universidade.
Em solidariedade com os colegas e com o luto académico vigente, a então Assembleia de Grelados (actual Comissão Organizadora da Queima das Fitas) delibera, pela primeira vez, o cancelamento da Queima das Fitas para grande prejuízo dos comerciantes da cidade. Durante os confrontos os estudantes adoptam aquela que é considerada a primeira canção de contestação, a "Trova do Vento que Passa".
Da crise resultou cerca de duzentos estudantes presos, quarenta riscados da Universidade e com o Reitor a ser sucessivamente mandado pastar para o lado do Américo Tomás. Em Lisboa, o Reitor Marcelo Caetano demite-se demorando 6 anos até voltar à cena, contribuição patriótica duma cadeira de repouso mal encostada.
A Crise Académica de '62 inaugurou a onda de lutas estudantis que continuarão ao longo de toda a década de 60. Sessenta anos depois, quando o Estado de Direito supera o Estado de Opressão, o Dia do Estudante permanece em Portugal como o dia de luta para todos os estudantes do Ensino Superior e um legado inspirador para todas as gerações vindouras.

Cesário Silva

Por Daniel Tadeu

Não há palavras, gestos, emoções. Não há absolutamente nada que nos ajude neste momento, que não tem também ele um adjetivo próprio para quantificar ou qualificar o que estamos todos a sentir e a passar.

Desapareceu, fisicamente, um filho, um irmão, um colega mas acima de tudo um ser-humano de valências ímpares. Um verdadeiro amigo.

Mas vamos ser honestos, passados estes dias… Falo por mim, mas tenho a certeza que também falo pelos restantes milhões de amigos e conhecidos que o Cesário tinha, e acreditem que este número não é exagerado. Assentada a poeira, só consigo relembrar que qualquer momento que tenhamos tido com ele acabava sempre numa gargalhada. E convosco não devia ser diferente.

Podíamos estar a ter a maior discussão de sempre e discordar que tudo era nada e que nada era tudo, mas o Cesário rematava um sorriso ou um abraço e com a sua sabedoria e eloquência, tinha sempre razão.

Há coisas que não fazem mesmo sentido.

E estarmos aqui hoje, para este propósito, é uma delas.

Foi para longe e não deixou escrito em lado nenhum a fórmula para se inventar um qualquer dispositivo para que o pudéssemos visitar de vez em quando nem que fosse para mais um sorriso ou um abraço.

Deixou a esperança de um dia aqui voltar. E a saudade, que será eterna. Mas deixou também um legado inabalável.

O Cesário Silva era o tipo de pessoa que com um simples “Bom dia” nos deixava imediatamente rendidos. Só alguém como ele conseguia emanar tanta luz e ajudar tanta gente. Podia estar a ter um dia difícil mas encarava-o sempre com confiança, com força e boa disposição. 

Uma das suas bandeiras era a união da academia. O nosso amigo Cesário conseguiu isso e muito mais. Grande como ele era, também assim teriam que ser os seus feitos.

Peço aqui a todos os que estão presentes que levem esta mensagem e a difundam pelos que não estão. Levem a vida como a levava o Cesário, com brio, com um sorriso, muita força e muita coragem.

Nunca se esqueçam de dizer às pessoas, independentemente de estarem bem com elas ou estarem momentaneamente em discórdia, o quanto as amam.

Amo-te, amigo. E amo-vos a todos vocês.

Muita força.

EDITORIAL

Recordar a Academia

Por Tomás Barros

As minhas palavras serão concisas. Nesta edição especial, que recorda uma das lutas mais honradas do país, queria recordar um grande academista: Cesário Silva.

Nele podíamos ver o reflexo de quase 26 mil estudantes, podíamos ver uma lufada de ar fresco, de leveza e alegria.

Muito obrigado e até sempre, Cesário.