ANA FILIPA PAZ

ANA FILIPA PAZ

O PRIMEIRO DIA

As memórias de quem viveu o 25 de Abril em Coimbra. Dificuldades na comunicação entre cidades adiaram celebrações da Revolução dos Cravos.

- Por Mafalda Adão e Íris Jesus -

Transmissão de Rádio no 25 de Abril

- Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra -

COIMBRA, 30 DE ABRIL DE 1974. RETIRADA DA PLACA DA SEDE DA PIDE-DGS. [FOTOGRAFIA DE FERNANDO MARQUES]

COIMBRA, 30 DE ABRIL DE 1974. RETIRADA DA PLACA DA SEDE DA PIDE-DGS. [FOTOGRAFIA DE FERNANDO MARQUES]

A princípio é simples, anda-se sozinho

Manuela Cruzeiro, historiadora oral, chega ao Café com Arte quase como se fosse seu. Já conhece os clientes que se sentam numa mesa perto da porta de entrada e diz ter passado os últimos anos da sua vida naquele espaço. “Costumava ser um local que conjugava a convivência com exposições de arte e exibições de filmes e eu gostava de vir cá”, confessa. Atualmente, o café já não segue esta orientação, ao contrário de Manuela Cruzeiro, cuja presença nos cafés a recorda de um passado algo distante. Nos momentos que antecederam o 25 de Abril de 1974, era nas cafetarias da cidade de Coimbra que passava o seu tempo, num ritmo de comunhão com os seus colegas universitários.

“Tínhamos os nossos espaços muito marcados, a nossa vida em Coimbra passava-se entre a Universidade e a Praça da República”, conta Manuela Cruzeiro. Contudo, era na neste segundo espaço que os jovens contemporâneos da Revolução dos Cravos viviam o seu quotidiano. Na Associação Académica de Coimbra (AAC), dedicavam-se às várias atividades oferecidas pelo espaço, tanto culturais, como desportivas. Já na Alta da cidade, dividiam-se entre os vários cafés. “Se quiséssemos estudar, íamos para o café Pigalle, se quiséssemos conversar com catedráticos da esquerda política, íamos para o Tropical, já se a vontade fosse falar com os nossos semelhantes, era ao Mandarim que nos dirigíamos”.

“Se quiséssemos estudar, íamos para o café Pigalle, se quiséssemos conversar com catedráticos da esquerda política, íamos para o Tropical, já se a vontade fosse falar com os nossos semelhantes, era ao Mandarim que nos dirigíamos”.
Manuela Cruzeiro

Todavia, os encontros entre resistentes antirregime nos cafés da cidade não eram desprovidos de vigilância. Na verdade, a presença da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) era “constante”, conta Manuela Cruzeiro. Por isso, quem frequentava estes espaços habituou-se a reconhecer os agentes desta autoridade através de uma caracterização comum: “eram pessoas que costumavam sentar-se à margem, a ler jornais”. A historiadora recorda-se de, uma vez, ter sido salva de uma “abalroada” da polícia política durante uma manifestação estudantil, na Crise Académica de 1969. “Na Rua Castro Matoso, milagrosamente, abriu-se uma porta à minha frente e uma senhora puxou-me para dentro”, relata.

Para Manuela Cruzeiro, Coimbra estava dividida em duas cidades: a dos estudantes e a da sociedade civil, os chamados “Futricas”. Nos anos que antecederam a Revolução dos Cravos, as duas culturas que marcavam o espaço urbano não mantinham contacto. “Só as pessoas mais politizadas e próximas da resistência política é que se encontravam, comummente, na Sé Velha”, explica. No entanto, a vida boémia levada pelos estudantes da altura era, nas palavras da historiadora, vista “com alguma antipatia por parte dos “Futricas” que, muitas vezes, esperavam destes uma atitude interventiva e antirregime”.

ANA FILIPA PAZ

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ARQUIVO ANA FILIPA PAZ

ARQUIVO ANA FILIPA PAZ

“Dizem, por vezes, que, com revolução ou sem revolução, Portugal ter-se-ia libertado do Estado Novo”

Manuela Cruzeiro

Pela Sé Velha, no café Oásis, em tempos reconhecido como um espaço de reunião dos resistentes ao regime salazarista, sentam-se os companheiros Arsénio da Silva e Carlos Alberto. “Nós somos de uma geração terrível, tivemos uma infância desgraçada, marcada pela pobreza, e depois atiraram-nos com uma guerra para cima”, conta Carlos Alberto, antigo fotógrafo num estúdio na Rua da Louça. Foi preso em 1968, enquanto trabalhava, porque se recusou a ir para a tropa. Recorda-se de ver dois agentes da PIDE a entrar e a perguntar pelo seu nome. Quando respondeu, disseram-lhe que estava preso. No entanto, foi libertado no mesmo dia da sua captura, porque a instrução militar do seu turno já se havia iniciado.

Arsénio da Silva, atual proprietário do café, foi obrigado a ser enfermeiro miliciano, em Coimbra, onde hoje se situa o Quartel General da Brigada Ligeira de Intervenção. Depois disso, começou a trabalhar no Oásis. Em 1962, durante a primeira crise estudantil, o então proprietário do estabelecimento, o “Mário do café Oásis”, forneceu “alimentação e águas aos estudantes presos”. Já a 17 de abril de 1969, lembra-se de haver uma manifestação na Rua Antero de Quental, em frente ao edifício da PIDE, na qual o seu patrão participou. “Os agentes bateram-lhe e esteve muito tempo no hospital”, conta Arsénio da Silva. Em homenagem a este acontecimento, nas paredes do café, pendura-se um quadro da visita de Alberto Martins e Carlos Santarém a Mário no hospital.

Foto da Secção Fotográfica da Associação Académica de Coimbra: "Espólio da exposição 17 de Abril"

Foto da Secção Fotográfica da Associação Académica de Coimbra: "Espólio da exposição 17 de Abril"

António Rodrigues, sentado numa das mesas do café Tropical, espaço que frequenta desde a sua juventude, conta as suas experiências com a PIDE. Nunca esteve preso, todavia, recorda uma “situação suspeita” que passou quando se organizava politicamente num clima de clandestinidade. Em 1973 participou numa reunião para a preparação do III Congresso da Oposição Democrática, na Rua do Brasil. Ao sair, viu-se a ser seguido por um carro de matrícula LH-98-04, pertencente ao corpo da PIDE. “Passou muito devagarinho, parou, olhou, deu duas ou três voltas, e eu vim o caminho todo a perguntar-me se algo nos ia acontecer”, relembra. No momento, fugiu para o café Mandarim, onde, devido à multidão que lá se juntava, sabia que estaria seguro.

O Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) é a segunda casa de João Silva, que trabalha no espaço desde 1978. Fala de tempos em que o estabelecimento recebia assembleias magnas clandestinas organizadas pela AAC. Contudo, era comum a PIDE já estar informada sobre a realização destes eventos, visto que mantinha uma grande rede de informadores. “Costumavam colocar microfones para ouvir as discussões que se tinham”, conta. No Ateneu de Coimbra, espaço na Alta que visava dar resposta às dificuldades acentuadas pelo salazarismo, a presença da polícia política era também recorrente. Beatriz Rosa, membro da atual direção do espaço, conta que chegou a ver relatórios da PIDE que incluíam “as matrículas dos carros das pessoas que frequentavam o Ateneu”.

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

No seu currículo, Jorge Castilho, atual presidente da Associação de Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra (UC), inclui o seu trabalho como jornalista no Diário de Coimbra e a sua integração na delegação conimbricense do Jornal de Notícias. Lembra-se de a imprensa da cidade preencher os dias dos habitantes com jornais como o nonagenário Diário de Coimbra, O Despertar ou a Gazeta de Coimbra. A estes acrescentam-se os periódicos pertencentes à Igreja, como o Correio de Coimbra e O Amigo do Povo, que ficou conhecido após o 25 de Abril por noticiar conteúdos “reacionários”. Diz que, nessa época, a censura afetava as publicações, a ponto de não se poderem divulgar assuntos relacionados com a academia de Coimbra devido à sua conotação revolucionária, oriunda das crises estudantis da década de 60.

ARQUIVO JORGE CASTILHO, ANOS 70

ARQUIVO JORGE CASTILHO, ANOS 70

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

MAFALDA ADÃO

ARQUIVO SECÇÃO DE JORNALISMO

ARQUIVO SECÇÃO DE JORNALISMO

IRIS JESUS (TROPICAL)

IRIS JESUS (TROPICAL)

Nasce um novo dia, e no braço outra asa 

Era madrugada do dia 25 de Abril de 1974 quando António Rodrigues foi acordado pela mãe. “Disse que estava a acontecer um golpe de estado em Lisboa, mas não acreditei”, recorda. O então estudante de Medicina tinha uma frequência nesse dia que acabou por ser cancelada devido ao burburinho que circulava sobre uma revolução. Passou o resto do dia na Praça da República, no café Tropical, a ouvir as transmissões de rádio. “Não se sabia grande coisa, sabíamos apenas das concentrações na Rua do Carmo, em Lisboa”. Por esta razão, António Rodrigues considera que 25 de Abril chegou a Coimbra apenas dois dias depois .

Também pela Praça da República vagueou Manuela Cruzeiro durante o dia. Antes disso, fora acordada na alvorada por José Beleza, seu vizinho e professor na Faculdade de Direito da UC. “Disse-nos que havia um golpe de Estado em Lisboa, receámos logo ter sido orquestrado por uma direita mais radical e opositora do Marcelo Caetano”, indica. Acrescenta que, durante a manhã, com os ouvidos colados à rádio, a população foi instruída a ficar em casa. No entanto, a tarde dos conimbricenses foi passada nas ruas, numa “desobediência coletiva” em que todos tentavam perceber o que se passava na capital.“Disse-nos que havia um golpe de Estado em Lisboa, receámos logo ter sido orquestrado por uma direita mais radical e opositora do Marcelo Caetano”.

“Disse-nos que havia um golpe de Estado em Lisboa, receámos logo ter sido orquestrado por uma direita mais radical e opositora do Marcelo Caetano”.
Manuela Cruzeiro

Beatriz Rosa, que ligara também a rádio pela manhã, percebeu que o acontecimento não havia sido uma revolta das forças de direita através da música que tocava nos intervalos dos comunicados do Movimento das Forças Armadas. “Estava a tocar Sérgio Godinho, por isso assumi que se tivesse feito algo progressista”, confessa. Do dia 25 lembra-se apenas de ler o jornal na Praça da República, ao fim da tarde, já do dia seguinte recorda a multidão de pessoas que cobriu a cidade numa manifestação. Nas suas palavras, “foi como um clique, as pessoas estavam fechadas, sozinhas e, de repente, estavam nas ruas”. A manifestação partiu da Praça da República, desceu até à Rua da Sofia, passou pelo Largo da Portagem e acabou na sede da PIDE e na ocupação do edifício da AAC.

“Foi como um clique, as pessoas estavam fechadas, sozinhas e, de repente, estavam nas ruas”.
Beatriz Rosa

“Nós fomos para as ruas”, declara Arsénio da Silva, que fazia 21 anos no  25 de Abril de 1974. Carlos Alberto era um dos indivíduos a liderar a manifestação que percorreu a cidade. Soube da Revolução dos Cravos no trabalho e não pôde sair, no entanto, festejou a  26 de abril . “Lembro-me de sentir uma espécie de raiva, queria que nos pagassem pelo que nos fizeram, por isso liderei a manifestação até à sede da PIDE”, partilha. Já João Silva, que na altura tinha 10 anos, fugiu de casa assim que ouviu falar do aglomerado de pessoas à frente do edifício da PIDE. Conta que “as pessoas estavam doidas, era uma alegria, parecia uma coisa de outro mundo”.

“Lembro-me de sentir uma espécie de raiva, queria que nos pagassem pelo que nos fizeram, por isso liderei a manifestação até à sede da PIDE”.
Carlos Alberto

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida 

“Dizem que, por vezes, com revolução ou sem revolução, Portugal ter-se-ia libertado do Estado Novo”, explica Manuela Cruzeiro. Contudo, para a historiadora, em todas as manifestações coletivas de um povo é necessário um “investimento de utopia”, em que a união é necessária. Por este motivo, considera que a Revolução dos Cravos é exemplo disso. Beatriz Rosa destaca a contribuição do Ateneu de Coimbra na manutenção dessa coletividade. Para si, a continuação deste legado prende-se na juventude, “que tem de tomar nas mãos a defesa dos valores de Abril”.

Após o 25 de Abril, o café Oásis manteve uma ligação “próxima aos estudantes e à AAC”, relata Arsénio da Silva. Apesar disto, lamenta que os dias de hoje já não se pautem por esse ambiente: “antes, debatiam-se os temas, os estudantes vinham para cá conversar o dia todo”. Carlos Alberto finaliza ao apelar aos jovens para que “divulguem os ideais do 25 de Abril de forma a  que isto não vá por água abaixo”. Na sua visão, a atualidade está pautada por adversidades aos valores pelos quais lutou, não apenas em Portugal, mas também pelo resto da Europa. 

“Tínhamos muitos sonhos”, confessa Jorge Castilho. O ex-jornalista defende que a atual política portuguesa não conseguiu manter os ideais da sua geração, uma vez que “há uma distorção completa daquilo que se defende”, o que o “desgosta profundamente”. António Rodrigues considera que, atualmente, as escolas fomentam “uma lógica elitista e individualista”, sendo necessário cultivar ideais de partilha. Nas suas palavras, todos têm direito a uma vida digna. Para João Silva é essencial que o 25 de Abril seja lembrado nas escolas, para que os jovens entendam como era viver durante o Estado Novo. Ao comparar a sua infância com a dos seus filhos e netos, João Silva conclui: “a Revolução  foi a melhor coisa que aconteceu para o povo português e espero que a liberdade e a democracia nunca acabem”.

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MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

MAFALDA ADÃO, BIBLIOTECA MUNICIPAL DE COIMBRA

ANA FILIPA PAZ

ANA FILIPA PAZ

“A revolução o 25 de abril foi a melhor coisa que aconteceu para o povo português e espero que a liberdade e a democracia nunca acabem”

João Silva

ROSTOS DE LIBERDADE

- Por Luís Almeida e Diogo Teles Mateus -

Arquivo da Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

Mário Soares

Este ano marca o centenário do nascimento de Mário Soares, antigo primeiro-ministro, Presidente da República e fundador do Partido Socialista. Opositor do regime salazarista, foi preso político e exilado em Paris, tendo voltado a Portugal apenas depois do 25 de Abril de 1974. Presidiu ainda à Comissão de Honra do centenário da Associação Académica de Coimbra.

Em entrevista ao Jornal A Cabra, aquando da sua candidatura à Presidência da República em 2006, Mário Soares deixou claras algumas das suas posições em relação a vários temas: apoiava a despenalização do aborto e defendia novas formas de diálogo e abertura dos partidos à população, nomeadamente os jovens. Mais ainda, considerava que o problema da abstenção não se resolvia por decreto. No entanto, estava aberto à discussão por entender que “a democracia vive disso mesmo: da confrontação de pontos de vista”.

Zeca Afonso

Nascido em Aveiro, passou por terras africanas e correu Portugal de norte a sul, entre atuações e deslocações como professor. Zeca Afonso tornou-se um dos rostos da Revolução dos Cravos pela mão da música de intervenção tão característica sua, mais precisamente pela “Grândola Vila Morena”, uma canção indissociável deste acontecimento histórico.

 A edição nº 28 do Jornal A CABRA assinalou os 10 anos da sua morte, relembrando a sua passagem pela cidade, pelo Orfeon Académico de Coimbra, pela Tuna Académica da Universidade de Coimbra, bem como a sua dedicação à Revolução. Revolução esta que o próprio Zeca Afonso admitia ser utópica, mas que todos os dias o fazia agir como se fosse tangível.

“O que é preciso é criar desassossego”. Este é o desejo do “Génio Distraído”, como o apelida o título do artigo em questão. Com 16 álbuns, espalhou “melodias de inconformismo e liberdade, mantendo viva a chama da Revolução, divulgando a música popular portuguesa”.

Manuel Alegre

Um dos mais recentes associados honorários da Associação Académica de Coimbra (AAC), Manuel Alegre ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1956. Destacou-se como atleta da AAC na natação, tendo-se sagrado campeão nacional. No plano cultural, esteve na fundação do CITAC e fez parte do TEUC. Publicou ainda poemas em várias revistas, entre elas a Via Latina.

Mais tarde, exilou-se em Argel para evitar a prisão e só regressou a Portugal em maio de ‘74. Deputado por 34 anos, assumiu várias pastas e funções no Governo. Saiu derrotado da corrida a secretário-geral do Partido Socialista em 2004 e das presidenciais de 2006.

Foi no âmbito desta última candidatura que concedeu uma entrevista ao Jornal A Cabra. Apresentava-se “para renovar a política e a democracia, vencer a descrença e construir um projeto de reinvenção e esperança para Portugal”. Via o Presidente da República como o “provedor da democracia” e alguém que “garante os direitos e deveres dos cidadãos”.

José Mário Branco

Nascido no Porto, José Mário Branco teve uma curta passagem por Coimbra. Em janeiro de 1962 mudou-se para a cidade dos estudantes para frequentar o curso de Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras e, logo em abril, foi detido por estar ligado ao surgimento das associações de estudantes de liceus.

Exilou-se em França em 1963 e, mais tarde, já casado, começou “a aprender e a ter vontade de fazer canções”. É na capital francesa que se torna num cantautor, tanto em língua francesa como em portuguesa. A guitarra e a voz faziam as maravilhas de quem o acompanhava. Tornou-se num dos maiores artistas de intervenção da história portuguesa, compondo temas incontornáveis como “Inquietação” ou musicando poemas, como por exemplo, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, de Luís Vaz de Camões.

Salgado Zenha

A História de Francisco Salgado Zenha está entrelaçada com a luta contra o fascismo. Foi o primeiro presidente da Associação Académica de Coimbra imposto pelos estudantes ao regime. O jovem estudante de Direito, membro do Partido Comunista Português (PCP) à data, manteve-se apenas um ano no cargo antes da destituição forçada pelo Governo de então. Foi, curiosamente, também o primeiro a ser retirado desta forma da presidência.

Abandona o PCP durante a década de 50 e, em 1964, é um dos fundadores da Ação Socialista Portuguesa, que mais tarde se viria a tornar o Partido Socialista (PS). É como membro deste partido que se torna ministro da Justiça e, mais tarde, ministro das Finanças. Anos depois, entra em rutura com Mário Soares e acaba por abandonar o PS, candidatando-se contra o mesmo em 1986 na corrida à Presidência da República. Para estas eleições, conseguiu o apoio do PCP e do Partido Renovador Democrático.

Em 1985 foi galardoado com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade e em 1990 com o de Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Recentemente, foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.

Da ditadura à democracia, uma educação que se liberta

Celso Denguncho e Luís Reis Torgal partilham as suas vivências no seio académico antes e depois da Revolução. “O passado está sempre vivo no presente”, declara Miguel Cardina sobre impacto do 25 de Abril.

– Por Adriana Martins e Jéssica Soares –  

O ambiente envolvente ao percorrer os corredores da Universidade de Coimbra (UC) nos anos 50 era “muito diferente do que se vivia no início dos anos 70”, assegura Miguel Cardina, investigador no Centro de Estudos Sociais da UC (CES). Como uma das distinções, o também historiador aponta a presença feminina na academia, que “em 1950 representava um quarto dos estudantes”, contrapondo com a década de 70, em que “havia mais mulheres do que homens a estudar na UC”, devido à Guerra Colonial.

O investigador explica que, durante o Estado Novo, “o ensino era segregado em Portugal”, e que apenas nos anos 60 “começaram a existir escolas secundárias onde rapazes e raparigas estudavam juntos”. Segundo Miguel Cardina, “a existência de espaços na universidade dessa natureza era pouco comum e visto como um fator de modernização e até de afirmação política”. Contudo, é neste meio que, no final dos anos 50, é criado o Coro de Estudantes de Letras da UC, um coro misto.

A Praxe Académica também foi sofrendo alterações. No início da década de 1950, “o uso de Capa e Batina era corrente, mas estava vedado às mulheres”, informa Miguel Cardina. Porém, a Capa e Batina feminina foi usada, e até noticiada, em 1954. No entanto, o investigador acrescenta que “no final dos anos 60 e início dos 70 já não havia praticamente Capa e Batina, nem nos homens, nem nas mulheres”.

No meio universitário a natureza de classe era “muito marcada”, revela o estudioso do CES. A universidade era frequentada  por “jovens que vinham das elites”, enquanto “os filhos das camadas pobres não tinham acesso ao Ensino Superior”, salvo quando alcançavam bolsas. Este auxílio permitia “fugir do destino comum de abandonar os estudos a seguir ao ensino primário”, declara Miguel Cardina.

A censura e opressão ditatorial

Celso Dengucho, estudante na UC entre 1964 e 1968, partilha a sua experiência caracterizada pela “generalizada identificação e solidariedade entre os estudantes” e a “cimentação em tertúlias, fosse à mesa dos cafés, nas repúblicas, nos fados e guitarradas ou discutindo política”. A luta contra a ditadura de António Salazar e Marcello Caetano e a Guerra Colonial marcam a memória do antigo aluno.

O testemunho do professor Luís Reis Torgal, que exerceu funções de 1970 a 2007, reforça a ideia de uma “consciência política e de cidadania” entre os académicos da época. “Ao terem vivido uma situação de ditadura, eles tinham de ter uma consciência política para se oporem a um sistema autoritário”, completa. Já sobre a relação que se vivia entre os docentes, denuncia que havia uma hierarquia, na qual “os professores catedráticos estavam no topo”. 

No seio do regime totalitário, “criava-se uma sociedade em que a informação não era livre, portanto, não havia debate democrático”, expõe Miguel Cardina. O investigador indica ainda que esta desinformação passava pela “censura prévia e a posteriori de livros e publicações periódicas”. Celso Dengucho sublinha que “a censura fazia-se sentir e só a coragem e ousadia de muitos ia permitindo, clandestinamente, a elaboração e distribuição de comunicados denunciadores da política fascista e dos crimes perpetrados pela ditadura de Salazar e Caetano”.

Luís Reis Torgal denuncia as limitações que restringiam a sua profissão: “mais do que uma censura, havia uma autocensura da parte dos professores, que não abordavam temas considerados perigosos”. A título de exemplo, partilha como, enquanto estudante de História Contemporânea num período pré-25 de Abril, não estudou o Liberalismo, a 1.ª República e o Estado Novo. Em contrapartida, salienta temáticas que eram destacadas pelo regime salazarista, como “o nacionalismo, o imperialismo e as colónias”. Segundo o antigo docente, “não se estudavam os estados autoritários fosse o nazismo, o fascismo italiano ou o franquismo em Espanha.

A atmosfera marcada pela censura e opressão despertou nos estudantes “revolta contra toda a situação”, expõe Celso Dengucho, o que desencadeou vários movimentos estudantis. “A Crise Académica de 1969 foi feita para exigir um Portugal novo”, conta Miguel Cardina. Assim, os académicos lutavam por “um país mais democrático, onde  o acesso à educação não ficasse limitado aos filhos das elites”. Na sua opinião, esta crise resulta da “repressão dos dirigentes estudantis”, tendo como um dos seus eixos de intervenção uma greve aos exames. 

A realidade que se instalou após a Revolução dos Cravos traduziu-se em mudanças inerentes. Sentiu-se um “processo de massificação do ensino que, embora não tenha sido imediato, contou com a pluralidade de origens sociais que passou a poder frequentar a universidade”, o que resultou na alteração do “típico estudante”, aponta Miguel Cardina. Explica que com essas transformações, também “a democracia e a diversificação nos espaços das universidades” se modificam.

A Revolução na sala dos professores

Luís Reis Torgal recorda o “grande desafio” que foi lidar “com a ideia de liberdade”, apontando para a mudança significativa na dinâmica da sala de aula, “até por pressão dos alunos”, que as tornaram mais dialogantes. A sua área de estudos transmutou-se, na medida em que se expandiu a “escolha dos temas letivos”, assim como as metodologias de ensino e de investigação. “Era uma educação muito mais aberta”, assevera. 

Aposentado desde 2007, sublinha os tempos de autonomia da Universidade. A relação de dependência que outrora sentia dos professores assistentes para com os catedráticos deixou de se refletir. Hoje, o início da carreira docente acontece após o doutoramento e, por isso, “parte-se do princípio que já se aprendeu a arte de investigar”, transmitindo-se, sobretudo, a herança da “arte de ensinar”, ao contrário do que acontecia. 

O antigo professor catedrático relembra que alguns docentes procuravam criar movimentos a favor da liberdade, em termos de organização para-sindical, “de novas linhas em relação à carreira docente”, a par de uma “ligação forte dos professores com os estudantes em busca de outras culturas institucionais”. Descreve ainda que a primeira aula que se seguiu à Revolução dos Cravos foi “extremamente agradável”, desarmando os entraves ao diálogo e às suas limitações “autocensórias”.

Os cravos que ainda estão por conquistar

Em relação à permanência dos valores de Abril na academia, Miguel Cardina denota a contínua “existência de barreiras económicas à frequência universitária”, apontando “o crescente valor dos preços das casas a arrendar e o pagamento das propinas”. Acrescenta ainda que é um “atentado à democracia a eleição de reitores e equipas reitorais por um Conselho Geral muito restrito”. Sugere, assim, a primazia da participação dos estudantes e docentes na escolha dos integrantes desses órgãos. 

Quanto à influência do ensino na sociedade contemporânea, o investigador reconhece que “o papel da educação é contribuir para a formação de uma cidadania mais informada e crítica em relação àquilo que a rodeia”. Alude ainda ao facto de que “o passado está sempre vivo no presente”. Nesse sentido, usa as comemorações de Abril, “transformadas em manifestações antifascistas e de afirmação da democracia portuguesa”, como exemplo de “uma apropriação desse passado em função dos desafios do presente”.

Já Luís Reis Torgal responde à mesma questão realçando as várias “limitações provocadas pelos sistemas que existem para limitar a liberdade das pessoas”. Não obstante, mantém a esperança na continuação da difusão destes valores perante os “surtos de direita e extrema-direita” a que assiste. Compara também a consciência política e de cidadania dos estudantes no período da mudança com a dos de hoje e conclui que para os primeiros estava muito mais “afinada”.

JÉSSICA SOARES

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JÉSSICA SOARES

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CRONOLOGIA DESPORTIVA

Desde a primeira à última palavra desta edição especial 25 de Abril, todo o jornal demonstra as várias e imensas mudanças que ocorreram na cidade de Coimbra (e um pouco por todo o País) desde a Revolução dos Cravos. Contudo, uma coisa manteve-se igual no desporto: Rei só há um - o futebol. A atenção mediática, os apoios governamentais, e mesmo as ligações políticas revolvem à volta dele. No entanto, as Secções Desportivas da Associação Académica de Coimbra não ficaram paradas no Tempo. Desde fundações e extinções, um pouco por todas as eras, foram vários os troféus e medalhas, individuais e coletivos, federados ou universitários, que vieram para Casa. Assim, O Jornal A CABRA decidiu recolher alguns dados que espelham o passar dos anos.

- Por Raquel Chaves e Fábio Torres -

Década de 70

20 de Junho de 1974: A Assembleia Magna decidiu a extinção da secção de futebol e é criado o CAC (Clube Académico de Coimbra)

1975: Fundação Secção de Halterofilismo

1979: Fundação Secção de Pesca desportiva

1974: Fundação da Secção de Karaté

Década de 80

1988: Secção de Basebol

1981: a finalização da construção do Açude-Ponte permitiu a prática de desportos náuticos.

O Clube Académico de Coimbra foi extinto em 1984 tornando-se Organismo Autónomo

5 de abril de 1982: Secção de Desportos Náuticos

1982: Primeira regata da Queima das fitas

Década de 90

1988: Secção de Tiro

24 de abril de 1994: a equipa de Coimbra organiza o "I Torneio de Basebol da Queima das Fitas"

O primeiro treinador da Secção de Halterofilismo não permitia o treino de atletas femininas, só no início da década de 90 com mudança de treinador é que começaram a haver mulheres a treinar halterofilismo ou treino de força. contudo a primeira participação oficial em provas federadas aconteceu com uma atleta juvenil em 1995,  Mónica Jorge.

18 de dezembro de 1991: Fundação da Secção de Radiomodelismo

Anos 2000

2001: Fundação Secção de Taekwondo

2008-2010: Conquista do título de Campeão Nacional de Clubes pela Secção de Desportos Náuticos

2009: Primeiro rally da Secção de Desportos Motorizados da Festa das Latas

2010: 1º Torneio de Pool da Queima das Fitas de Coimbra organizado pela Secção de Bilhar

2012: Organização do 8º Eurogym pela Secção de Ginástica

2019: Fundação da Pró-Secção de Boccia

2021: Secção de Judo consegue 5º lugar nos Jogos Olímpicos

2023: Fundação da Pró-Secção de E-sports

2023: Fundação da Secção de Padel

25 Anos da Revolução de 25 de Abril de 1974, 1999

- Secção Filatélica da Associação Académica de Coimbra -

Com desenhos de Luiz Duran e do conimbricense João Machado, os selos da emissão filatélica “25 Anos da Revolução de 25 de Abril de 1974” apresentam um cravo vermelho (símbolo da Revolução), mas com verde e amarelo da bandeira, em fundo branco e o edifício da Assembleia da República, “Sede da Democracia”, nos 2 selos com diferentes tamanhos. Impressão a off-set pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, sobre papel esmalte, com duplo valor facial (em escudos e euros). Foram emitidos 1 milhão de selos da taxa de 51$00 / €0,25 carmim verde amarelo e preto, e 500 mil selos da taxa de 80$00 / € 0,40 carmim verde lilás castanho e preto. Foram igualmente emitidos 60 mil blocos com os mesmos dois selos que constituem a série, numa opção hoje em dia muito pouco usada, com valor facial de 131$00 / €0,65. Refira-se os valores em duplicado, em escudos e euros, no período de transição para a nova moeda. Colocados em circulação a 25 de abril de 1999.

Um dos autores, João Machado, é um designer nascido em Coimbra, em 1942. Formado em Escultura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, tem um atelier na cidade invicta desde 1982. Atualmente já desenhou mais de 200 selos e blocos de Portugal.