A SAÚDE MENTAL NO ENSINO SUPERIOR

A saúde mental entre os estudantes do Ensino Superior português
A saúde mental é uma preocupação cada vez mais evidente em Portugal, particularmente entre os jovens e os estudantes. Fatores como a pressão académica, o contexto socioeconómico dos estudantes e as constantes mudanças na sociedade são algumas das causas que contribuem para o agravamento de um cenário já preocupante. No contexto universitário, um ambiente de desafios e transições, a problemática da saúde mental torna-se ainda mais evidente.
Pesquisas recentes indicam que uma percentagem significativa dos estudantes universitários em Portugal sofre de problemas de saúde mental. Estudos apontam que cerca de 30% a 40% dos estudantes apresentam sintomas de ansiedade, uma tendência que com o passar dos anos tem aumentado. A contribuir para estas percentagens alarmantes estão questões como a adaptação ao contexto de academia, a pressão de obter bons resultados e o stress vivido no meio académico. Além disso, a pandemia da COVID-19, em 2020, e as consequentes medidas de isolamento, vieram exacerbar ainda mais estas questões, provocando um aumento dos casos de ansiedade e depressão entre os jovens estudantes.
Ao longo das últimas décadas tem sido cada vez mais evidente a prevalência de problemas de saúde mental entre os estudantes universitários, assim, Portugal tem apresentado uma tendência crescente no que respeita a este tipo de questões. Nos anos 1990 e início dos anos 2000, questões relacionadas com a saúde mental eram menos frequentemente diagnosticadas, bem como raramente discutidas no meio social. O aumento da consciencialização e a atenuação do estigma associado às doenças do foro mental são algumas das razões que têm feito com que os estudantes se sintam cada vez mais à vontade para procurar ajuda junto de profissionais da área. No entanto, este aumento na procura de auxílio requer também mais apoio por parte das redes de suporte dos estudantes, quer no seio familiar como académico, o que demonstra uma crescente necessidade de assistência para lidar com esta problemática, uma necessidade que nem sempre é suprimida.
Os problemas de saúde mental têm um impacto direto e profundo no desempenho académico dos estudantes. Transtornos como ansiedade, depressão ou perturbações do sono podem facilmente desencadear dificuldades de concentração e a perda de motivação, o que consequentemente leva à obtenção de maus resultados académicos. Estudos recentes evidenciam que os estudantes com uma saúde mental degradada apresentam uma maior probabilidade de faltar às aulas e de atrasos na entrega de trabalhos, em casos mais extremos, alguns indivíduos acabam mesmo por abandonar o Ensino Superior. A taxa de abandono entre os estudantes que sofrem com problemas de saúde mental é significativamente superior, o que reflete uma desvalorização não só para o indivíduo como também para o sistema educacional, que muitas vezes falha para com a comunidade estudantil. Assim, revela-se urgente que as universidades portuguesas desenvolvam estratégias eficazes para identificar e ajudar estudantes nessas condições, visando diminuir o impacto negativo no seu desempenho académico e social.
Em comparação com outros países europeus, Portugal tem tendência a apresentar uma maior prevalência de problemas relacionados com saúde mental entre os estudantes universitários, sendo a Espanha e Itália os países cujas taxas de ansiedade e depressão mais se aproximam dos valores de Portugal. Por outro lado, países nórdicos como a Noruega e a Suécia apontam taxas mais baixas, resultado da implementação de políticas de apoio mais eficazes e sistemas de Ensino Superior que proporcionam redes de suporte psicológico e académico mais eficaz.

"Ainda que muito camuflado, comparativamente com o que se registava anteriormente, parece-me que os estudantes de ensino superior se sentem cada vez mais cansados, por vezes desvalorizados e/ou incompreendidos, com dificuldades no gerenciamento de tempo e consequentemente de emoções, tudo fatores de uma saúde mental colocada em causa que se encadeia depois com o bem-estar psicológico e com a qualidade de vida de cada um."
- Lara Antunes, licenciada em Psicologia e mestranda em Psicologia da Educação na Universidade de Coimbra
Causas e fatores de risco que contribuem para a degradação da saúde mental dos estudantes do Ensino Superior
São diversos os fatores que afetam a saúde mental dos estudantes do Ensino Superior. Para conseguir combater esta problemática de forma eficaz é necessário conseguir compreender as causas que estão na raiz do problema.
A transição para o Ensino Superior envolve mudanças drásticas em vários aspetos, especialmente para quem muda de cidade ou país para prosseguir os estudos, enfrentando uma adaptação a novos ambientes culturais e sociais, algo que só por si pode ser bastante desafiador. Este tipo de mudanças pode despoletar quadros de stress e ansiedade, em particular se o estudante tiver dificuldades em integrar-se em novos ambientes. Assim, a adaptação a um novo contexto social, bem como a novos e mais exigentes métodos de ensino, podem tornar-se difíceis e contribuir para a deterioração da saúde mental.
Outra possível causa são as dificuldades de adaptação à vida académica em si, uma vez que o Ensino Superior tem mais exigências a nível pessoal, como estratégias de organização e gestão de tempo, técnicas de estudo, e a capacidade de gerir uma liberdade nunca experienciada. A falta destas habilidades facilmente pode fazer com que os estudantes se sintam sobrecarregados e atrasados relativamente aos colegas, afetando negativamente o seu desempenho.
Um dos fatores que vem também agravar a adaptação dos novos estudantes ao meio académico é o isolamento social e a falta de apoio, já que muitos estudantes, em particular aqueles que se mudam para longe das famílias e amigos, acabam por experienciar um isolamento social. A falta de uma rede de apoio leva também a que se criem sentimentos de solidão e desconexão para com os demais, e a ausência de amigos, familiares ou mesmo de serviços de aconselhamento faz com que se sintam incapazes de lidar com os novos desafios, consequentemente contribuindo negativamente para a sua saúde mental.
Também a pressão académica, as exigências de tempo e a sobrecarga de trabalho são fatores de risco, uma vez que, no Ensino Superior, as responsabilidades académicas acrescem significativamente, muitas vezes tornando-se insuportáveis para os estudantes. A pressão para alcançar bons resultados, cumprir prazos rigorosos e aprender grandes quantidades de informação podem levar ao stress crónico. Num meio em que muitos indivíduos sentem a pressão de se destacar para garantir oportunidades de um futuro de sucesso, o que pode aumentar a frustração, a constante ansiedade pode resultar noutras perturbações do foro mental, como o burnout.
Outro dos principais fatores de risco são as dificuldades financeiras e questões de insegurança a nível socioeconómico. Os obstáculos a nível financeiro são um problema muito comum entre os estudantes universitários, tanto que muitos deles veem-se obrigados a arranjar emprego e conciliar os estudos com o trabalho para conseguirem sustentar as elevadas despesas que estudar no Ensino Superior acarreta, levando ao aumento dos níveis de stress e ansiedade. A insegurança financeira pode ainda limitar o acesso a recursos essenciais, tais como alojamento apropriado ou uma alimentação adequada, fatores que consequentemente contribuem para um maior desgaste a nível psicológico e emocional. Assim, questões de insegurança social, o que inclui preocupações relacionadas com futuros empregos, estabilidade profissional enquanto se estuda, acesso aos estatutos de trabalhador-estudante e cumprimento de prazos académicos, são uma forte causa da degradação do estado de saúde mental verificado nos estudantes do Ensino Superior.

"Tento sempre não me esquecer do quão importante é ter tempo para mim e para descansar!"
- Mariana Cadete, trabalhadora-estudante a frequentar a licenciatura em Estudos Artísticos na Universidade de Coimbra
O impacto da saúde mental na vida académica e pessoal dos estudantes
Tendo em conta as diversas causas e fatores de risco envolvidos, é notório o impacto que os mesmos têm na saúde mental dos estudantes, causando assim transtornos à sua estabilidade e bem-estar emocional.
Muitos estudantes sofrem de problemas como ansiedade, depressão, stress, ou perturbações do sono. É comum entre os indivíduos que se sentem sobrecarregados e incapazes de gerir corretamente a vida académica, que se sintam pressionados e que os sintomas se manifestem tanto psicologicamente como fisicamente. Dessa forma, e de acordo com estudos recentes, cada vez mais os estudantes relatam sintomas como tremores, taquicardias, tristeza permanente, dores de cabeça, falta de concentração e problemas de memória, podendo mais tarde traduzir-se em condições mais graves, tais como depressão, bournout, ou abuso de substâncias.
Por consequência, a persistência de sintomas relativos à saúde mental, juntamente com as suas causas, manifesta-se posteriormente no desempenho académico através da falta de motivação e de uma diminuição da autoestima intelectual. A comparação constante com os colegas, bem como os maus resultados académicos e a pressão contínua que se faz sentir no meio académico afetam negativamente a autoconfiança. Deste modo, estudantes não confiantes nas suas capacidades e inseguros sobre o seu percurso académico perdem facilmente o interesse e vontade em dedicar-se aos estudos, o que resulta em dificuldades em realizar as tarefas, procrastinação, reprovações, e atrasos na entrega de trabalhos, culminando num mau desempenho académico, ou mesmo no abandono do Ensino Superior.
Além de impactar diretamente a saúde mental dos estudantes universitários, as causas e fatores de risco consequentemente têm também repercussões significativas na vida pessoal dos indivíduos. Estas consequências são muitas vezes profundas, e influenciam as relações sociais e familiares, bem como a qualidade de vida de modo geral. Os problemas de saúde mental vividos pelos estudantes do Ensino Superior resultam frequentemente em relações familiares sob tensão, já que indivíduos nestas situações têm tendência a isolar-se e a criar uma barreira de comunicação entre si e a família, com receio de que os seus medos não sejam compreendidos. No entanto, não se resume apenas à família, as restantes interações sociais são também afetadas, uma vez que se evidencia a falta de energia emocional para investir quer em relações de amizade, quer em relações amorosas. Outro ponto importante é que estudantes que vêm a sua saúde mental ser afetada geralmente negligenciam o autocuidado e a saúde física. O descuido para com o bem-estar mental resulta em consequências físicas, tais como hábitos alimentares desadequados, ciclos de sono e descanso irregulares, ou ainda, negligência nos cuidados de higiene.
Numa tentativa de lidar com a pressão, alguns estudantes recorrem a medicamentos para a ansiedade, álcool e drogas, tomando comportamentos de risco que podem levar ao abuso de substâncias e ao desenvolvimento de dependências, agravando a sanidade mental dos estudantes. Em casos mais extremos, as dificuldades sentidas no Ensino Superior podem traduzir-se até em comportamentos autodestrutivos, como a automutilação, ou resultar mesmo em tendências suicidas, comportamentos que demonstram uma resposta desesperada ao sofrimento emocional intenso e à sensação de incapacidade sentida por estes estudantes.

O caso específico dos trabalhadores-estudantes
Os estudantes do Ensino Superior em situação de dupla jornada, trabalhadores-estudantes, enfrentam desafios únicos e distintos dos indivíduos que apenas se dedicam aos estudos, tais desafios são significativos e evidenciam-se ao tentarem equilibrar as responsabilidades académicas com as questões laborais.
Conciliar o trabalho com a avultada carga de responsabilidades do Ensino Superior é uma tarefa árdua que exige uma disciplina e organização mais eficientes. Frequentemente, os estudantes que se encontram nesta situação veem-se ainda mais sobrecarregados pela necessidade de cumprir com as demandas laborais e, simultaneamente, manter um bom desempenho académico. Assim, a dupla jornada pode resultar em situações de esgotamento, já que, entre as atividades profissionais e académicas, o tempo que resta para descanso ou atividades de lazer é escasso. A carga acrescida de responsabilidades traduz-se em baixos níveis de rendimento, tanto a nível académico, como laboralmente. Para os trabalhadores-estudantes é mais difícil dedicar tempo suficiente ao estudo ou completar as tarefas pedidas pela universidade, resultando em atrasos nas entregas de trabalhos ou mesmo em maus resultados. Por outro lado, a exaustão, assim como a falta de foco, podem também afetar negativamente o desempenho no trabalho, pondo em risco a sua estabilidade financeira ou mesmo o seu progresso profissional. Além das já esgotantes responsabilidades do trabalho e dos estudos, os trabalhadores-estudantes, assim como os estudantes que não trabalham, também têm responsabilidades familiares e pessoais. Este tipo de responsabilidades vem acrescer ainda mais a pressão sobre os indivíduos, e limitar o pouco tempo que têm disponível para atividades não relacionadas com o trabalho ou academia, como atividades de descanso e lazer, essenciais para a manutenção de uma boa saúde mental e física.
Embora exista o estatuto de trabalhador-estudante, uma política de salvaguarda cujo objetivo é disponibilizar garantias e direitos específicos àqueles que conciliam estudos com trabalho, esta política revela-se muitas vezes insuficiente. O estatuto de trabalhador-estudante foi criado tendo em conta os profissionais que querem aprimorar a sua formação e os estudantes que necessitam de suporte financeiro para conseguirem ter acesso ao Ensino Superior. Este estatuto prevê regalias como horários flexíveis, acesso a aulas de compensação e de apoio pedagógico, e faltas justificadas, porém estas medidas nem sempre são suficientes e os estudantes acusam o desgaste e exaustão não só físico como também mental. A eficácia do estatuto está dependente da sua correta implementação e do grau de compreensão e entendimento quer por parte dos empregadores como por parte das instituições de ensino. Não é incomum a falta de compreensão e a insensibilização entre os empregadores relativamente aos trabalhadores que também estudam. Recorrentemente as entidades patronais não se encontram dispostas a oferecer a disponibilidade a que os estudantes por lei têm direito e acabam a priorizar as tarefas laborais em detrimento do bem-estar dos trabalhadores-estudantes e das suas responsabilidades académicas. De acordo com pesquisas recentes, uma margem considerável de trabalhadores-estudantes revela dificuldades na negociação de horários com as entidades patronais, e muitos estudantes afirmam ainda que os professores nem sempre consideram as suas condições particulares.
Além disso, um problema associado ao estatuto de trabalhador-estudante é que nem todos os estudantes que trabalham conseguem obtê-lo, isto porque muitos dos indivíduos que se encontram nesta situação estão sujeitos a situações laborais precárias. Tal acontece devido às incompatibilidades apontadas pelo Estado entre a atribuição de bolsas de apoio económico a estudantes que exerçam atividade profissional. Uma posição algo insensível e sem nexo, uma vez que os estudantes a quem são atribuídas as bolsas de ação social são os que têm mais carências a nível económico, os mesmos que têm a necessidade de arranjar trabalho para sustentar os custos do Ensino Superior e assim se vêm obrigados a exercer a dupla jornada. O entrave protagonizado pelo Estado obriga assim a que os trabalhadores-estudantes, uma situação já por si delicada, tenham que optar entre experienciar condições de trabalho precário, e ter uma pequena ajuda monetária, ou ter acesso ao estatuto de trabalhador-estudante, mas sem qualquer ajuda económica por parte do Estado.

"Sei que o estatuto de trabalhador-estudante traz consigo algumas regalias, no entanto, sinto que não são suficientes e que poderia haver um maior esforço por parte das universidades para apoiar os alunos, ou pelo menos uma maior preocupação, o mesmo se aplica aos empregadores."
- Mariana Cadete, trabalhadora-estudante a frequentar a licenciatura em Estudos Artísticos na Universidade de Coimbra
Medidas de combate à problemática da saúde mental no Ensino Superior
Sendo o Ensino Superior o berço dos profissionais do amanhã, a questão da saúde mental é uma temática essencial, a qual requer a devida atenção e uma tomada de ação equivalente ao seu grau de importância. Dessa forma, e reconhecendo a gravidade e urgência da situação, várias universidades têm posto em prática medidas de apoio ao combate à degradação da saúde mental dos estudantes do Ensino Superior português, visando a promoção de um meio académico mais saudável e inclusivo.
O apoio institucional é fundamental e, portanto, a posição tomada pelas universidades é crucial na promoção da saúde mental entre os estudantes. Assim, uma medida essencial tem que ver com a sensibilização para a importância do bem-estar mental e o combate ao estigma e discriminação que, todavia, continuam associados aos problemas do foro psicológico. Tais medidas tornam-se possíveis por meio de, por exemplo, campanhas de consciencialização, palestras ou até workshops que visem capacitar estudantes e docentes sobre a importância da saúde mental, dessa forma promovendo uma abordagem calma e disponível à discussão do tema. Para além de ações de sensibilização, têm também sido implementados programas específicos direcionados à promoção da saúde mental. Este tipo de programas geralmente inclui atividades físicas, workshops sobre gerir stress e ansiedade, ou ainda práticas de mindfulness e meditação. A integração deste tipo de atividades na vida académica encoraja a manutenção de um ambiente saudável e de bem-estar nas academias. Outro recurso que se tem revelado essencial no combate à degradação da saúde mental dos estudantes é a criação de grupos de apoio e aconselhamento ao estudante, espaços seguros de partilha de experiências em que é possível receber apoio e validação por parte de colegas que se encontrem na mesma situação, criando assim uma rede de suporte emocional e psicológico. Aliados a estes grupos de apoio, é importante o papel dos serviços de psicologia e psiquiatria das universidades, fundamentais na disponibilização de serviços profissionais especializados aos estudantes que não têm condições de recorrer ao setor privado. Garantindo assim que toda a comunidade estudantil tem acesso a tratamentos adequados, com serviços que podem ir desde a terapia à prescrição de medicamentos, quando necessário.
No que diz respeito ao caso específico dos trabalhadores-estudantes, este tipo de indivíduos tem necessidades particulares que devem ser reconhecidas e aprimoradas. Como tal, tanto as universidades como as entidades patronais devem proceder ao ajuste das medidas de combate ao desgaste e exaustão mental dos estudantes, o que pode incluir a criação de novas práticas que visem atender as demandas deste grupo particular de indivíduos. É crucial a promoção de um ambiente positivo e inclusivo, para que os indivíduos se sintam valorizados, apoiados e incluídos, independentemente da sua origem ou circunstância pessoal. Para tal, é importante o combate à discriminação que se faz sentir contra os trabalhadores-estudantes tanto no meio académico como no local de trabalho, para que seja possível igual acesso às mesmas oportunidades de sucesso por parte de todos. Outra medida significativa tem que ver com a promoção de uma conciliação saudável entre trabalho e estudos, é de grande importância que os trabalhadores-estudantes consigam equilibrar as suas responsabilidades académico-laborais sem colocar em risco o seu desempenho em nenhuma das áreas, nem a sua saúde mental. Neste contexto, surgem recursos como os programas de mentoria, que visam auxiliar na gestão de tempo e organização, ou medidas que abordam a flexibilização das regras laborais e académicas. Dentro destas últimas, no âmbito académico destaca-se a oferta de horários mais flexíveis, quer para aulas como para avaliações, prazos prolongados para entrega de tarefas, e opções de ensino à distância. Por outro lado, no contexto laboral, destaca-se a possibilidade de, quando e se possível, optar por trabalho à distância, horários de trabalho mais flexíveis, e faltas justificadas durante épocas de avaliações ou atividades letivas.

"Faz falta uma maior e mais acessível rede de apoio psicológico aos estudantes. Seria também benéfico que se criassem turmas menores, onde sentimentos e sensações não passassem despercebidos aos docentes e às instituições no geral."
- Lara Antunes, licenciada em Psicologia e mestranda em Psicologia da Educação na Universidade de Coimbra
Mariana Cadete, o testemunho de uma jovem trabalhadora-estudante que frequenta a Universidade de Coimbra
Mariana Cadete é uma jovem estudante de 21 anos proveniente de Faro que se encontra a frequentar a licenciatura em Estudos Artísticos na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mariana começou a conciliar os estudos com o trabalho desde o primeiro ano de faculdade. Atualmente trabalha em regime parcial como colaboradora numa loja SportZone, no entanto, também já trabalhou na área de restauração e bar.
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS QUE SENTES AO TER DE CONCILIAR OS ESTUDOS COM O TRABALHO?
"Uma das maiores dificuldades que encontro é sem dúvida conseguir gerir o meu tempo de uma forma equilibrada, às vezes é bastante complicado conseguir manter na minha vida todas as minhas prioridades e vejo-me a deixar algumas delas de parte ou a desvalorizá-las, quando são todas importantes. Com o tempo, e hábito, fui criando estratégias para lidar com essa problemática e também tentando falar e comunicar, tanto aos professores como ao trabalho, as minhas necessidades e direitos enquanto trabalhadora-estudante. No entanto, sinto que deixei de ter tanto tempo ou disponibilidade para estar com amigos, para me divertir e para comigo mesma. Acho que o principal desafio é conseguir comparecer em todos esses aspetos e suceder sem que nenhum falhe, o que não acontece."
SENTES QUE, DE ALGUMA FORMA, A JORNADA LABORAL AFETA O TEU DESEMPENHO ACADÉMICO?
"Tenho perfeita noção de que se estivesse apenas a estudar o meu desempenho académico seria muito melhor, pois teria o meu total foco e tempo dedicado aos estudos. No entanto, sinto que o meu curso acaba por facilitar um pouco a minha experiência por ser uma área que eu sempre tive interesse, e portanto acabo por ter gosto pelo trabalho académico. Mas sim, já me vi em situações nas quais tive de escolher o trabalho em detrimento da faculdade."
SENTES QUE A FALTA DE TEMPO PARA ATIVIDADES DE LAZER, A PRESSÃO ACADÉMICA E AS EXIGÊNCIAS DO TRABALHO AFETAM A TUA SAÚDE MENTAL?
"Sinto que sim, afetam a minha saúde mental, mesmo que eu tente ter uma postura fria relativamente a esse assunto acaba por ser complicado não deixar que algo nos afete. Acho que, pelo menos para com os trabalhadores-estudantes, devia haver mais flexibilidade perante a faculdade e perante o trabalho. Também o facto de me sentir cansada e consequentemente menos motivada complica mais o processo. No fundo, acho que todos temos noção do quão importante é ter uma boa saúde mental e conseguir preservá-la. Logicamente, acabo por ter menos tempo para a parte lúdica da minha vida, mas tenho noção que todas as atividades são importantes para o equilíbrio da minha saúde mental e isso exige que eu as consiga exercer a todas. O stress e a ansiedade são os aspetos que eu sinto que mais surgem com as minhas responsabilidades, juntamente com o receio de falhar."
COMO LIDAS COM OS PRAZOS E TAREFAS, TANTO NO TRABALHO COMO NA FACULDADE?
"Não há muito a fazer quanto a esse aspeto, tenho que cumprir com ambos os prazos, às vezes há professores com mais empatia e que até prolongam as datas ou compreendem a falta de disponibilidade para entrega de trabalhos. No trabalho sinto que há menos flexibilidade, no entanto, já aconteceu ter de entrar mais tarde por ter que ficar a estudar ou mesmo faltar ao trabalho por ter avaliações."
SENDO TRABALHADORA-ESTUDANTE, QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES QUE TENS?
"A principal preocupação está relacionada com as minhas despesas, pois não é fácil manter-me sozinha apenas com um part-time. No entanto, também me pesa na consciência de certa forma, e mais do que nunca, estar a pôr de parte a faculdade."

Duarte Rodrigues, o testemunho de um jovem trabalhador-estudante que frequenta o Instituto Politécnico de Coimbra
Duarte Rodrigues tem 23 anos, é natural de Coimbra, e integra a licenciatura em Engenharia Biomédica-Bioeletrónica no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra do IPC. No terceiro ano de faculdade tornou-se trabalhador-estudante e atualmente trabalha como operador de caixa numa loja Continente em Coimbra.
QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS DIFICULDADES QUE SENTISTE AO ADAPTARES-TE A TRABALHAR ENQUANTO ESTUDAS?
"Sem dúvida que a principal dificuldade foi a mudança drástica no meu estilo de vida, tendo apenas começado a trabalhar no terceiro ano de faculdade fez-me abdicar de diversas coisas que já se tinham tornado rotina no meu dia a dia como apenas estudante. A dupla jornada trouxe-me inúmeros desafios diários, no entanto, o mais substancial na minha vida é o cansaço causado pela carga horária da faculdade juntamente com a do trabalho, sinto que o meu curso é também muito exigente, e que requer muito tempo investido não só nas aulas como em casa."
SENTES QUE A FALTA DE TEMPO PARA ATIVIDADES DE LAZER, A PRESSÃO ACADÉMICA E AS EXIGÊNCIAS DO TRABALHO AFETAM A TUA SAÚDE MENTAL?
"Sem dúvida alguma que tudo afeta, não só acabo por ocupar a cabeça com assuntos do trabalho como o mesmo me retira imenso tempo que podia ser passado a estudar para as recorrentes avaliações. Deixa-me frustrado o facto de saber que não estou a tirar proveito de todo o meu potencial académico por ter uma vida profissional."
QUE ESTRATÉGIAS USAS PARA GERIR O STRESS E MANTER UM EQUILÍBRIO SAUDÁVEL ENTRE O TRABALHO E OS ESTUDOS?
"Pratico desporto nos meus tempos livres, o que me ajuda bastante a regular os níveis de stress e ansiedade que tenho. Para além disso, lembro-me sempre de que é só uma fase e, apesar de ser difícil, tento manter uma rotina diária que me ajude a manter-me organizado."

"A saúde mental no Ensino Superior" entrevista a Lara Antunes, licenciada em Psicologia e mestranda em Psicologia da Educação na Universidade de Coimbra
DE QUE FORMA SE MANIFESTA A DEGRADAÇÃO DA SAÚDE MENTAL DOS ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR?
"A deterioração da saúde mental revela-se através do cansaço, tanto físico como emocional, e da pouca vontade dos estudantes se envolverem em atividades relacionadas com a instituição de ensino ou do percurso académico. A falta de vontade na realização de tarefas diárias ou de anterior interesse dos indivíduos e o baixo rendimento académico, aliados aos sentimentos de incapacidade, frustração ou falta de senso na vida, são também fortes indicadores de um desgaste ao nível da saúde mental dos indivíduos"
QUE TIPO DE SEQUELAS A DEGRADAÇÃO DO ESTADO MENTAL DOS ESTUDANTES PODE DESENCADEAR A CURTO E LONGO PRAZO?
"A curto prazo, a degradação do estado mental resulta num acúmulo de cansaço entre a vida académica e outros campos da vida do indivíduo que se pode ir estendo para a vida profissional futura. De uma perspetiva mais generalista, esta problemática gera algum tipo de feedback negativo que de certa forma não encoraja a que os jovens continuem a optar pelo ingresso no ensino superior. Já a longo prazo, uma experiência menos positiva no ensino superior pode fazer com que haja menos propensão para que os indivíduos formados se envolvam em futuros momentos de formação ao longo da carreira. Outra consequência é também a degradação da saúde mental diretamente relacionada com o estabelecimento e manutenção dos relacionamentos do indivíduo."
EXISTEM DIFERENÇAS SIGNIFICATIVAS ENTRE OS PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL ENFRENTADOS PELOS TRABALHADORES-ESTUDANTES E PELOS ESTUDANTES QUE NÃO TRABALHAM?
"Creio que não. Cada um, mesmo que à sua maneira, sente a sobrecarga que muitos estudantes (trabalhadores ou não) relatam. Mesmo que os trabalhadores-estudantes tenham uma causa mais visível e debaixo dos holofotes com principal causa de desgaste emocional, o que os estudantes não trabalhadores relatam de negativo não deve ser desmerecido só porque não têm um emprego. Muitos têm outras tarefas que ocupam tempo de igual forma e que os pode sobrecarregar mais ainda do que se pensa. Não se deve tirar o mérito a tarefas domésticas, voluntariado, atividades na comunidade, entre outras. Por não serem tarefas remuneradas não se deve fechar os olhos à preocupação que podem acarretar ou a necessidade de dedicação que exigem. A dupla jornada impacta a saúde mental dos trabalhadores-estudantes essencialmente pela dificuldade de gerir tempos e ter disponibilidade intrínseca e extrínseca para se dedicar às tarefas do curso superior que o indivíduo frequenta."
DE QUE MANEIRA AS QUESTÕES FINANCEIRAS, FAMILIARES E SOCIAIS INFLUENCIAM A SAÚDE MENTAL DOS ESTUDANTES?
"Todos os campos de vida do sujeito estão interligados. Devemos pensar no indivíduo composto por diferentes camadas. Quando algo menos positivo afeta um dos campos de vida do indivíduo faz com que possivelmente o bom funcionamento de todos os outros possa ser colocado em causa."
AS UNIVERSIDADES E EMPREGADORES ESFORÇAM-SE O SUFICIENTE PARA AJUDAR OS ESTUDANTES QUE ESTUDAM E TRABALHAM AO MESMO TEMPO?
"Tenho a ideia de que por vezes mais as entidades empregadoras! As universidades têm conhecimento do problema, mas por vezes quem implementa as medidas não interage diretamente no terreno e junto dos alunos! Nas universidades parece saber-se da teórica sobre esta problemática, mas, na prática, não verificam que as medidas podem ser insuficientes ou não adaptadas à realidade. O estigma de que para muitas empresas as pessoas são números, parece aplicar-se, na verdade, ao que muitas das vezes se verifica no Ensino Superior."
DE QUE FORMA PODEM, TANTO AS INSTITUIÇOES DE ENSINO COMO OS FAMILIARES, AJUDAR E APOIAR OS ESTUDANTES QUE ENFRENTAM DIFICULDADES AO NÍVEL DA SAÚDE MENTAL?
"As instituições de ensino podem ser úteis mostrando-se disponíveis, cooperativos e compreensivos, fornecendo toda a ajuda possível. Quanto aos familiares, sejam interventivos, se necessário, especialmente nos casos em que existe uma insistência do estudante em continuar a desgastar-se."
QUE ESTRATÉGIAS RECOMENDARIA AOS ESTUDANTES PARA CONSEGUIREM MANTER UMA BOA SAÚDE MENTAL?
"É importante encontrar atividades para desanuviar e que em último caso funcionem como escape ou fuga da realidade, como exercício físico, práticas de meditação e mindfulness, ler, e passar tempo com amigos. Relativamente aos trabalhadores-estudantes, é crucial encontrar a melhor forma para equilibrar os dois mundos, mesmo que não como esperado inicialmente - por vezes um passo atrás para dar cinco mais tarde para a frente pode ser tão ou mais recompensador do que parece. Dessa forma, é fundamental perspetivar até que ponto um percurso negativo resultante da simultaneidade de ambos os campos (trabalho e estudos) é benéfico e vale a pena a longo prazo para o bom funcionamento do indivíduo."

A saúde mental no Ensino Superior é um problema crítico que urge ações concretas no combate à sua degradação. A alta prevalência de problemas de saúde mental tem impactos diretos e significativos, e se nada for feito, os profissionais do amanhã correm sérios riscos a nível psicológico. Para que se desenvolvam as estratégias certas de prevenção e apoio, é imperial que se compreendam as causas subjacentes a esta problemática, como a pressão académica, as dificuldades financeiras ou o isolamento social.
As consequências resultantes da degradação da saúde mental dos estudantes fazem-se sentir tanto no desempenho académico como na sua vida pessoal. Transtornos como a ansiedade, stress, depressão ou perturbações do sono são problemas cada vez mais comuns que põe em causa o rendimento académico e a sanidade mental dos indivíduos. O caso dos trabalhadores-estudantes torna-se ainda mais complexo, uma vez que às já exigentes responsabilidades académicas, acrescem ainda as responsabilidades laborais. Embora este grupo específico se veja abrigado por um estatuto que visa proporcionar condições especiais, muitas vezes, e por diversos motivos, o estatuto de trabalhador-estudante revela-se insuficiente. Sendo assim urgente um fortalecimento nas medidas de combate à precariedade laboral enfrentada pelos estudantes que se vêem obrigados a trabalhar para conseguir concluir os estudos.
A temática da saúde mental entre os estudantes do Ensino Superior exige um esforço conjunto por parte do governo, instituições de ensino, entidades empregadoras, familiares e redes de apoio ao estudante. Apenas dessa forma se consegue garantir a formação de profissionais competentes e aptos às carreiras profissionais, bem como só assim é possível a criação de ambientes académicos e laborais saudáveis, apelativos e bem-sucedidos.
