Abreviar a distância que separa Coimbra da gastronomia transmontana

O MenteAtenta saiu em reportagem para visitar as instalações da Alexandrina & Teresinho Lda. Falámos com os seus proprietários e trabalhadores, percebemos a história desta empresa e acompanhámos os diferentes processos que envolvem a produção dos enchidos tradicionais que são fabricados em Foz de Arouce, na Lousã.

Maria Alexandrina e Manuel Teresinho, oriundos de Miranda do Douro, hoje são reconhecidos em Coimbra pela qualidade dos enchidos artesanais que produzem. Nem sempre se dedicaram a este ofício, mas há 25 anos atrás seguiram o conselho de um amigo e, hoje, os seus produtos são vendidos um pouco por todo o país.
Foz de Arouce é uma freguesia situada a cerca de sete quilómetros do centro da Lousã. À primeira vista, está em causa mais uma localidade periférica que não sofreu grandes evoluções nos últimos anos, a estrada principal que percorre esta região é extraordinariamente estreita e com ângulos cegos, um sonho para qualquer condutor.
Porém, nem tudo se encontra estagnado por aqui. O MenteAtenta teve conhecimento da história de um casal oriundo de Miranda do Douro que se mudou para Foz de Arouce e, consigo, trouxe um pouco da cultura gastronómica transmontana. A Alexandrina & Teresinho encontra-se ao serviço da população conimbricense há 25 anos, mas até adquirirem o reconhecimento atual, necessitaram de conquistar a confiança dos consumidores.
O primeiro contacto que o casal teve com a produção de enchidos à moda transmontana foi, precisamente, em Miranda do Douro. Segundo Manuel Teresinho, comummente existiam “matanças” de porcos nas “casas mais remediadas” transmontanas e, tanto ele como a sua esposa, costumavam ajudar os pais na produção de enchidos. Sem saberem, na altura, que um dia abririam uma fábrica de enchidos artesanais.
Já adultos e com filhos, decidiram sair de Trás-os-Montes e iniciar uma vida nova, a mais de 300 quilómetros de casa. De acordo com Alexandrina Teresinho, em 1991 viajaram em direção a Coimbra, mais concretamente para uma aldeia situada na periferia desta cidade, Foz de Arouce.




Quando se mudaram para o distrito conimbricense, estavam longe de imaginar que as suas raízes transmontanas tornar-se-iam na sua fonte de rendimento. Curiosamente, a ideia de iniciarem o projeto dos enchidos artesanais não partiu do casal, mas sim de um vizinho que os aconselhou e incentivou a investirem neste negócio.
“Sempre tivemos alguns animais e costumávamos pedir a um vizinho, que também veio de Trás-os-Montes, para matar um dos nossos porcos. A partir dele, nós fazíamos os enchidos e dávamos a provar às pessoas… um dia, a certa altura, ele disse que tínhamos jeito para fazer enchidos e que devíamos pensar em vendê-los. Além de nos incentivar, utilizou os seus contactos na Câmara Municipal para nos fornecer informações sobre os procedimentos necessários para abrirmos a nossa fábrica”, revelou-nos Manuel Teresinho.



Manuel Alves Teresinho
“Em 1991 viemos de Trás-os-Montes para Foz de Arouce, mas não começámos logo a fazer enchidos. Estávamos envolvidos noutros negócios e, só passado uns anos, em 1994, é que começámos a comercializar os nossos enchidos artesanais, em pequena escala”.
“Dois anos mais tarde, já com as autorizações da Câmara Municipal e da Direção Regional de Coimbra, e garantindo dois postos de trabalho, ampliámos a fábrica para conseguirmos dar resposta à procura das pessoas. Em meados de 2000, finalmente, as circunstâncias permitiram-nos deixar as velharias e dedicarmo-nos unicamente aos enchidos artesanais”.
“Atualmente, estamos a tentar avançar com um projeto de viabilidade para voltarmos a ampliar as instalações e fazer algumas melhorias. Falta apenas a autorização da Câmara Municipal”.


Maria Alexandrina Fernandes Teresinho
“Já tínhamos algumas luzes porque os nossos pais faziam enchidos, principalmente no inverno. Faziam alheiras, chouriças… já sabíamos como começar”.
“Quando começámos, principalmente nesta zona, a alheira era uma coisa que não era muito conhecida. Aqui usava-se a farinheira e não a alheira, que é o nosso forte”
“Tentámos apostar noutro tipo de enchidos menos tradicionais, como a alheira de bacalhau, mas não teve muita saída. Só fazemos para a família ou quando nos pedem. O que tem mais saída é a alheira tradicional e a de caça, se bem que, ultimamente, temos ensaiado as alheiras só de aves e as vegetarianas”.

O negócio que permitiu o nascimento da fábrica
O casal não esqueceu as adversidades que enfrentaram até chegarem aqui. Durante a fase inicial do projeto, necessitaram de conciliar a fábrica com a compra, venda e exposição de "velharias". Só desta forma, segundo eles, foi possível ampliarem a fábrica e, consequentemente, aumentarem os níveis de produção.
Manuel Teresinho acrescenta que estão no "negócio dos enchidos há 25 anos" e, atualmente, acabam por ser "um bocadinho conhecidos" no distrito de Coimbra. Contudo, admite que, no percurso, estragaram "algumas fornadas de alheiras porque uma coisa é fazer meia dúzia de quilos, outra é partir para 50, 100 ou 200 quilos".
Neste sentido, tiveram alguns prejuízos iniciais, mas o negócio das velharias permitiu que se fossem "aguentando" e manter a rota de crescimento gradual. Sem nunca descurarem a qualidade dos produtos que disponibilizam ao público, tal como fez questão de frisar Alexandrina Teresinho. "A nossa aposta, volto a sublinhar, não é nas quantidades e nos preços, mas sim na qualidade dos nossos enchidos”, referiu.
Mas como é que se conquista uma população que olha com desconfiança para os produtos que não são típicos da sua região? O casal decidiu apostar na presença em mercados e feiras locais e, acima de tudo, deixando as pessoas provarem - gratuitamente - os enchidos. Este foi o segredo do casal transmontano que, 25 anos depois, tem um negócio financeiramente estável e perspetivas de aumentar o investimento na fábrica.
"Estamos presentes, praticamente, em todo o distrito de Coimbra. Vendemos para os supermercados mais pequenos, mas o nosso forte são os restaurantes e os talhos. Participamos também nas feiras dos 7 e dos 23 [em Coimbra], das Gândaras, da Aveleira e de Travassos. Em termos de mercados municipais, podem encontrar-nos na Lousã e em Miranda do Corvo", mencionou Manuel Teresinho.



Passemos agora aos processos que permitem que os enchidos cheguem à mesa dos portugueses, nomeadamente as alheiras, que são a principal aposta desta empresa.
No vídeo anterior, testemunhámos alguns dos processos que permitem a produção da alheira, nomeadamente a cozedura da carne, o desfiamento e a mistura com o pão de trigo. Porém, existem outros que escaparam às nossas gravações e, por esse motivo, contámos com o apoio de Alexandrina Teresinho para nos explicar o que faltou.
Em primeiro lugar, é necessário preparar e cortar a carne que estará no interior da alheira. Apenas depois acontece a cozedura da carne, onde são acrescentados os primeiros temperos, seguindo-se o desfiamento das carnes cozidas.
Após este processo, chegamos à parte da misturadora. Primeiro, é necessário inserir pão em camadas no interior da máquina, sendo-lhe adicionado água da cozedura, a gordura das carnes anteriormente cozidas e pimentão doce. De seguida, é acrescentada a carne, resultando numa massa que vai preencher a tripa da alheira.
Tal como tivemos oportunidade de ver, as alheiras são enchidas e cortadas antes de seguirem para o fumeiro, onde são penduradas e fumadas com lenha de azinheiro.




Após 12 horas no fumeiro, as alheiras são colocadas na câmara de secagem, ficando a restar apenas a etiquetagem e o embalamento.

Portanto, cerca de 24 horas depois de ser fabricada, a alheira está pronta a ser vendida. Seja através de uma distribuidora, quando as encomendas são feitas online e para fora do distrito de Coimbra, seja diretamente ao cliente através da carrinha da empresa.
Em todo o caso, a empresa Alexandrina & Teresinho tem as portas abertas a quem queira deslocar-se à fábrica para comprar enchidos artesanais.