BRASILEIROS A ESPERA DE VISTO PARA PORTUGAL
Estudantes relatam dor de cabeça, stress e pouca comunicação pelos órgãos competentes

Era setembro de 2021, quando Henrique Araujo, estudante brasileiro de Recife, entregou seus documentos no vice-consulado mais próximo de sua casa para solicitar um visto de estudos para Portugal. O estudante de biomedicina estudaria por um semestre na Universidade de Coimbra. Contudo, o que deveria ser simples, se transformou em uma grande dor de cabeça.
O consulado pediu mais documentação adicional que não estava prevista. Henrique, no entanto, estava preparado, já que havia pesquisado como funcionava o processo, com base em relatos na internet. "Antes de chegar ao local, disseram que bastavam os comprovantes de renda e declaração de imposto para comprovar subsistência", disse ele. "Sorte que eu havia levado mais documentos que o necessário."
Ele acrescenta que o valor a ser pago para dar entrada no processo de visto teria que ser pago com dinheiro em espécie, informação que não constava no site. Segundo Henrique, muitas pessoas presentes no local no mesmo dia que ele tiveram que marcar de voltar no vice-consulado outro dia, já que não tinham a quantia necessária em cédulas.
Passaram-se dois meses desde a entrada no processo de emissão, e as autoridades portuguesas solicitaram mais um documento adicional. "Eles estavam pedindo uma declaração que não foi solicitada anteriormente", disse. Felizmente, o estudante conseguiu tal declaração facilmente e, mesmo com os percalços ao longo do caminho, obteve seu visto a tempo para a mobilidade internacional.
O caso de Henrique, no entanto, não é isolado. Outros estudantes brasileiros também relatam demora na emissão do visto, e alguns até desistem do processo no meio do caminho.
No Facebook, foi criado um grupo chamado "Estudantes brasileiros a espera de vistos para Portugal", que já conta com mais de 5,2 mil membros. A página serve para que estudantes possam auxiliar entre si com relação a dúvidas sobre documentação, processo de aplicação e retorno por parte dos órgãos competentes.
"O (atendimento) do vice-consulado no telefone é muito ruim. Eles trabalham em um horário muito curto, e não atendem o telefone. Foi uma dificuldade que me atrapalhou bastante."
Rede de apoio virtual

Os usuários da rede social criaram praticamente uma "rede de apoio virtual", onde podem trocar experiências e tirar dúvidas. Porém, algumas dessas experiências não foram tão positivas.
"Receio de não ser aprovado"
Segundo Henrique, esperar o resultado do visto é uma constante apreensão. O medo de não ter enviado a documentação correta, de ter o visto recusado ou até mesmo enfrentar problemas na imigração, ao desembarcar no país, são situações em comum a maioria dos estudantes que não têm passaporte europeu e precisam se submeter ao processo de obtenção do visto pela empresa terceirizada VFS (Visa Facilitation Services Global) ou consulado português de algum estado brasileiro.
Visto negado
Em 7 de maio de 2021, Karolina Ramos recebeu uma mensagem que não gostaria de receber. Seu visto havia sido negado. Ela tinha até dia 17 do mesmo mês para recorrer o deferimento, o que ela fez, mas em 8 de junho, mais uma vez, sua entrada em terras lusitanas foi barrada.
De acordo com o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), a justificativa era de que houve um "parecer desfavorável dos Serviços Competentes (art. 91º, nº1 do CPA e 53º da Lei nº 23/07, de 4 de julho com as alterações introduzidas pela Lei 102/17 de 28 de agosto)".
Ramos faria licenciatura na Universidade de Aveiro e já tinha a carta de aceite. A jovem teve que explicar à universidade que não seria possível ser aluna da instituição no primeiro semestre de 2022/2023. Agora, ela passará por todo o processo de candidatura novamente, para tentar novamente no ano que vem.
"Eles estão analisando a melhor forma de me ajudar", respondeu ela, quando perguntada sobre o posicionamento da universidade com relação ao visto.
Mudança de planos
Outro estudante que não teve um bom desfecho com relação ao visto foi Thiago Araujo, estudante brasileiro de publicidade e propaganda em São Paulo. Ele havia ganhado uma bolsa de estudos para estudar por um semestre na Universidade Europeia, em Lisboa.
Sem condições para se manter na cidade, conhecida pelo seu alto custo de vida com relação a outras cidades portuguesas, "Thigor", como é chamado pelos amigos, fez uma "vaquinha" virtual para gastos básicos, como alimentação e transporte. Após dois meses, ele já havia arrecadado mais de 11 mil reais.
Contudo, o jovem estudante precisaria começar a frequentar as aulas em até 20 dias a partir do início do ano letivo, o que, devido a atrasos no processo para a obtenção do visto, não foi possível para Thigor. Ele, que já havia comprado passagens de ida e volta para Portugal, escolheu fazer, em substituição, um curso de espanhol na Espanha, e passar um tempo no Reino Unido.


Recompensa
Sobre ser estudante em Portugal

"Todo o esforço e dor de cabeça valeram a pena"
Um sentimento em comum a aqueles que conseguiram o visto é o de recompensa, por conseguir passar por todo o processo e realizar o sonho da mobilidade internacional.
Henrique relata ter passado por momentos de stress durante a obtenção da permissão de entrada em Portugal, principalmente no segundo momento, quando foram solicitados mais documentos. No entanto, segundo ele, estar em Portugal como estudante tem sido um sonho transformado em realidade, e "todo o esforço e dor de cabeça valeram a pena".
"Não poderia estar melhor", diz ele.
Posição do SEF

O SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) reitera, em nota, que segue os protocolos com base nas leis portuguesas e que, em caso de indeferimento do visto, o solicitante pode voltar a requerer o documento.
"É recomendável, contudo, que (o solicitante) tome nota dos motivos da recusa antes de apresentar o novo pedido e que proceda às alterações necessárias", acrescenta o texto.
A permanência do SEF, no entanto, não durará por muito tempo, uma vez que o órgão será extinto. A medida, proposta pelas siglas PS e BE, foi aprovada na Assembleia da República, em votação final, no ano passado, mas foi adiada pela segunda vez em abril de 2022.
Como justificativa para o adiamento da reestruturação dos serviços de fronteira, estão a guerra na Ucrânia, a pandemia de Covid-19 e a dissolução da Assembleia da República, de acordo com a proposta de lei.
1. Como surgiu o SEF?
De acordo com o site oficial do SEF, o órgão surgiu em novembro de 1974 sob o nome "Direção de Serviço de Estrangeiros (DSE)", na sequência da Revolução de 74, no Comando Geral da PSP, pela via do Decreto-Lei n.º 651/74, de 22 de novembro.
Em junho de 1976, o órgão mudou de nome para Serviço de Estrangeiros (SE), e assim ficou por dez anos.
Por fim, após sucessivos Governos que acreditavam que cabia ao SE o controle da "entrada" de estrangeiros Portugal, em 1986, o órgão foi reestruturado a partir do Decreto-Lei n.º 440/86, de 31 de dezembro, passando a ser chamado de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), tal como conhecemos hoje.
2. Por que Portugal?
De acordo com o advogado e especialista em Direito Internacional, Daniel Toledo, da "Toledo & Advogados Associados", muitos brasileiros procuram Portugal, principalmente, por conta do idioma oficial de ambos os países, que é a língua portuguesa.
Ele pontua outros motivos, também. "Às vezes por uma ascendência de algum europeu, que acaba trazendo essa facilidade, ou algum conhecido que mora em Portugal", diz.
3. O papel da Visa Facilitation Services Global (VFS Global)
Considerando o amplo volume de pedidos de visto todos os dias feitos diretamente nos consulados, as competências portuguesas contrataram uma empresa terceirizada para cuidar das questões burocráticas relacionadas à documentação.
De acordo com o site oficial da companhia, a Visa Facilitation Services Global "é uma empresa comercial que trabalha em parceria com a Embaixada de Portugal para fornecer serviços às pessoas que solicitam um visto para entrar em Portugal".
No entanto, com base em relatos presentes na página "Estudantes brasileiros a espera de vistos para Portugal", no Facebook, há vários ruídos de comunicação entre a empresa, o SEF e o próprio consulado.
Segundo Thigor, ao encaminhar um e-mail pedindo um retorno sobre seu visto à VFS, a resposta era de que o jovem precisaria contatar o SEF, uma vez que a análise dos documentos estaria sob responsabilidade do órgão competente. Contudo, ao contatar o SEF, era solicitado que ele procurasse pela Embaixada de Portugal. Desta forma, o estudante passava de autoridade para autoridade, sem conseguir uma resposta concreta.
4. O que substituirá o SEF?
O Governo propõe a criação de uma Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA). O Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) também ficaria responsável por algumas questões antes tratadas pelo SEF. Matérias policiais, neste caso, passariam pela Polícia de Segurança Pública (PSP), Polícia Judiciária e Guarda Nacional Republicana (GNR).


CASOS DE SUCESSO
Apesar dos relatos negativos com relação à obtenção do visto, outros estudantes brasileiros tiveram boas experiências com os órgãos competentes portugueses, embora não sejam a maioria, conforme apurado pelo jornal Mente Atenta.
1. Luis Souto
O processo para o estudante Luis Souto, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, foi bem tranquilo, segundo ele, mesmo enviando os documentos em cima da hora.
Após enviar tudo, o tempo de espera para receber o visto foi de 41 dias corridos, bem abaixo dos 60 dias úteis, que é o período médio da empresa.
"Só demorei para chegar (em Portugal), por que me atrasei a dar entrada no visto."
Ele chegou a contratar uma assessoria para auxiliar no processo, mas conta que a maior parte do processo fez sozinho. "Eles não foram muito eficazes."
O estudante dá algumas dicas que acredita terem ajudado para que o processo de obtenção do visto fosse mais tranquilo:
- Pesquisar bem quais são os documentos solicitados.
- Enviar tudo com certa antecedência.
- Ler relatos e tirar dúvidas com outras pessoas que passaram pelo processo antes de iniciar o seu.
2. Leonardo Sangirolami
Outro estudante que não teve grandes problemas com a obtenção do visto foi o estudante de engenharia ambiental da Universidade de São Paulo, Leonardo Sangirolami.
Ele, que passou por um semestre de estudos na Universidade de Lisboa, disse ter seguido todos os processos descritos no site da VSF. "Conferi meus documentos umas dez vezes antes de enviar para não dar erro (risos) e mandei."
"Fiz de tudo para adiantar o processo, como pagar o serviço de entrega rápida, e no final deu tudo certo."
Leonardo acrescenta ainda que o prazo dado pela companhia foi respeitado e que seu visto chegou dez dias antes de sua viagem.
Ele recomenda não esquecer nenhum documento, uma vez que isso traz atrasos ao processo, e saber controlar a ansiedade, além de não comprar a passagem muito antecipadamente. "Se o visto não chegar a tempo, remarcar a passagem pode sair muito caro."
Esta é uma produção Mente Atenta
Jornalismo e Comunicação - Universidade de Coimbra
jornalmenteatenta@gmail.com
