Da Ucrânia a Portugal, Kateryna enfrentou sete cidades

Reportagem

A Ucrânia foi invadida pela Rússia no dia 24 de fevereiro de 2022 e obrigou várias pessoas a abandonar a terra natal em busca de segurança e paz.

Kateryna Sotnyk é uma entre os milhões de refugiados que saíram da Ucrânia. Natural da Rússia, mas reside desde criança no lado ucraniano da antiga União Soviética. Motivado pela guerra decidiu enfrentar um longo percurso desde Alexandria até Portugal.

A mulher de 40 anos decidiu que estava na hora de deixar a sua cidade no dia 11 de março. Apesar do ambiente permanecer calmo até hoje em Alexandria, confessa que o principal gatilho foram os rumores de que as mulheres estavam a ser violadas e que deveriam evitar andar sozinhas.

É um outro lado negro da guerra que as pessoas esquecem.
Kateryna Sotnyk

Vivia apenas com a sua mãe que praticamente não saía de casa e enfrentar as ruas sozinha tornava-se cada vez mais assustador. Descreve que Alexandria, por ser um lugar seguro, começou a receber centenas de refugiados de outras zonas do país e a ficar lotada.

Vivo numa cidade em que conheço as caras de quem reside lá e com a chegada de novas pessoas, não conseguia evitar desconfiar de toda a gente. Nunca sabemos se alguém está infiltrado e quer nos fazer mal.
Kateryna Sotnyk

Às duas da tarde do dia 11 de março, Kateryna caminha até a estação de Alexandria para iniciar o seu percurso com destino a Znamianka, cidade ucraniana. Conta que durante os 4 dias de viagem até Portugal o momento mais difícil foi o início. Assistiu a dezenas de famílias que se separavam, entre lágrimas despediam-se os homens das esposas e dos filhos, já que o sexo masculino entre os 18 e os 64 anos é obrigado a permanecer para defender o país.

Eles choravam e eu chorava. Não existiram mais despedidas no meu percurso, a partir dali só seguiam mulheres e crianças.
Kateryna Sotnyk

Em março as ruas estão cobertas de camadas de neve e só é possível enfrentar temperaturas negativas com camadas de roupa. Apesar de ter saído de casa apenas com uma mala, na sua pele trazia três t-shirts, três camisolas de lã, dois quispos e três pares de calças para enfrentar 15 graus negativos.

No comboio o frio permanecia, sem luz, nem aquecimento, o elétrico demorou 17 horas sem paragens até à terceira cidade por onde passou, Lviv, ainda na Ucrânia. O percurso foi condicionado e sofreu constantes alterações devido às cidades que estavam a ser bombardeadas.

Estes elétricos são utilizados apenas no verão para curtas distâncias. São lentos e têm apenas duas casas de banhos, ficávamos meia hora nas filas.
Kateryna Sotnyk

Uma noite sem descanso marcada pela corrente de ar gelada que entrava pelas janelas do transporte e pelo choro das crianças. Sotnyk relembra que o barulho deixa de incomodar, fica-se apático ao som.

Após 7 horas de espera em Lviv, aquecida pelo chá quente que os voluntários distribuíam sem parar, chegava a hora de atravessar a fronteira com a Polónia. Przemyśl já não ficava a três horas de distância, agora eram 18 horas de viagem com várias paragens para descansar. Neste momento, estão disponíveis vários edifícios que servem para os refugiados se poderem finalmente deitar e descansar o corpo tenso.

Os polacos recebem os refugiados vindos da Ucrânia com comida quente. Kateryna diz que era tudo o que precisava, apenas de algum reconforto para, sem pausas, rumar até à Cracóvia. Desta vez, num comboio mais moderno, com melhores condições e destinado apenas aos refugiados.

O coração ficava mais quente por nos receberem tão bem e termos acesso a comida e transporte gratuito.
Kateryna Sotnyk

Mais meia hora foi o tempo que demorou a chegar ao aeroporto, o primeiro sítio onde se lembrou que ainda vivemos em pandemia. O cansaço extremo provocou um ataque de choro quando lhe negaram a entrada por estar a utilizar uma máscara de tecido.

Estava exausta, aquele pequeno aviso mexeu comigo. No turbilhão de emoções que vivia a covid19 não tinha importância.
Kateryna Sotnyk

Seguia-se a primeira viagem de avião para Paris. No aeroporto oferecem vouchers para receberem comida, um sanduíche e chá ou água. Depois de 8h30 de espera para embarcar saía às 20h30 para França, o país que sempre sonhou conhecer. Porém, conta que não sentiu qualquer felicidade e notou que no aeroporto já não existiam papéis afixados para orientar os cidadãos ucranianos. Contudo, mais uma vez, encontrou pessoas generosas no seu caminho que a ajudaram.

Seguiu-se uma noite longa no aeroporto francês para às 11h descolar para o destino final. Portugal e a sua irmã estavam prontos para a receber de braços abertos. À chegada foi-lhe oferecido um cartão para poder comunicar com a família que ficou na Ucrânia.

Atualmente, os refugiados da Ucrânia representam o maior movimento de pessoas na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Apesar do futuro ser incerto, encontra-se à espera da aprovação do visto para realizar mais uma viagem, desta vez, o destino será o Reino Unido.

Um país que já conhece, onde costuma trabalhar sazonalmente na apanha da fruta e que lhe permite ser independente. Agora, nasce um novo desejo de ajudar.

Quero ajudar a minha nação e, sobretudo, aqueles que ficaram na Ucrânia a defender o meu país.
Kateryna Sotnyk