De macro a micro

Pelas lentes de quem amplia o plástico, na procura de reduzir um problema

Desde os anos 50 do século XX que o plástico é o recurso mais comum para a produção de produtos com fins comerciais. Desde roupa, cosméticos, utensílios e aparelhos tecnológicos, o plástico é um agente ubíquo no nosso quotidiano. A sua popularidade foi alcançada devido ao seu baixo custo de produção, à sua durabilidade e à sua comodidade. A sua versatilidade e estabilidade também são vetores que exercem força na tendência de utilização assídua do plástico como principal recurso. No entanto, mesmo que a utilidade do plástico seja elevada, a sua dispensa poderá ser ainda maior, contando como um dos principais incentivadores da poluição do meio ambiente.

A omnipresença do plástico no quotidiano, retarda as possibilidades da sua eliminação e diminuição. A indústria recorre cada vez mais à utilização do plástico descartável para satisfazer as necessidades do consumidor, esta tendência acresce a proliferação de plásticos de maior dimensão, os macroplásticos. O encontro destes plásticos com o meio ambiente culmina em microplásticos, uma consequência da erosão dos macroplásticos, causada pelos agentes ambientais, como a força da água e os sedimentos do solo.

João Pereira, 30 anos, é estudante de doutoramento na Universidade dos Açores e debruça-se na compreensão do efeito dos microplásticos no ambiente marinho. O primeiro contacto com os microplásticos foi durante a licenciatura, onde ingressou em cadeiras que abordavam, ainda de forma verde, esta temática. A paixão de João pelo mundo marinho levou-o a investigar mais perto a exposição dos organismos marinhos aos efeitos do plástico durante o mestrado, onde a sua tese se focou nos microplásticos presentes nos peixes. Após alcançar o grau de mestre, o estudante do departamento de oceanografia e pescas da Universidade dos Açores continua a trabalhar e a investigar esta área no seu doutoramento. As investigações feitas pelo biólogo passam pela revisão e compilação sistemática de todos os estudos sobre os plásticos presentes no mar profundo, elaborados até à data, de modo a compreender o que poderá ser acrescentado às descobertas neste ramo. A segunda parte desta investigação abrange uma componente mais prática, onde João aplicou uma “armadilha de partículas a 270 metros de profundidade”.

Os microplásticos são plásticos de pequenas dimensões que vão desde os 5 milímetros até a um micro, muitas vezes impercetíveis a olho nu. Estes dividem-se por duas categorias, os microplásticos primários, produzidos com estes tamanhos advindos de pellets ou de micropelets de plásticos, utilizados em pastas de dentes e detergentes. Os secundários derivam de plásticos de maiores dimensões e normalmente são originados pelas erosões dos macroplásticos ou pela libertação de fibras de têxteis como as roupas ou cordas. Atualmente, os microplásticos secundários são mais abundantes que os primários.

O estudo dos microplásticos é um trabalho minucioso e cauteloso devido à facilidade do contágio entre as partículas. “Temos de ter sempre medidas que evitem que estamos a transportar fibras exteriores que contaminem as que estamos a estudar”, afirma João Pereira, concluindo que as medidas de precaução são regra no que toca ao estudo das fibras presentes nas profundezas do oceano. A menor quantidade de fibras presentes no ambiente marinho profundo, uma vez que “não existem fibras sintéticas naturalmente em lado nenhum”, aumenta a predisposição a contágios com fibras presentes no ar ao serem recolhidas para análise em laboratório, condicionando os resultados desta.

“Os microplásticos estão todo o lado”, reforça João Pereira. A ubiquidade dos plásticos, que se apresentam por fibras, tampas ou pedaços pequenos, mobiliza a comunidade científica para a compreensão do mundo do plástico. Embora os estudos se debrucem no ambiente marinho, João Pereira conta que “atualmente estão em curso estudos em ambiente terrestre, marinho, aéreo, espacial e também no sangue humano”. Esta diversidade dentro do campo de estudo dos microplásticos aumenta a necessidade da compreensão dos macro, micro e nanoplásticos.

O entendimento dos plásticos abrange as suas componentes e o modo como o Homem contribui para proliferação ativa de plástico no meio ambiente. “Há diversos estudos de microplásticos em estações de tratamentos de água para compreender quanto é que o Homem contribui diariamente para a contaminação”, afirma João Pereira.

O nome científico dado ao plástico difere consoante o seu tamanho, existem os macro, meso, micro e nano plásticos, os dois primeiros detém mais do que cinco milímetros, agrupando-se na mesma tipologia de plástico. A diferença de tamanho é importante, uma vez que “quanto mais pequena for a partícula, maior vai ser a sua biodisponibilidade para contaminar os organismos e os ambientes”, afirma João Pereira. O biólogo privilegia a significância da diferença dos tamanhos dos plásticos, acrescentando que “quanto menor o seu tamanho, maior será a dificuldade de controlar a contaminação”. João Pereira salienta a importância de compreender o modo como os plásticos mais micro estão a afetar os ecossistemas, reconhecendo que há uma necessidade da comunidade científica de compreender a biodisponibilidade destes plásticos.

Os nanoplásticos são plásticos mil vezes mais pequenos que o milímetro e inferiores a um micro. Quando a dimensão do plástico é inferior a 50 micras, há uma predisposição para serem incorporados a nível celular, caso sejam ingeridos, por oposição quando se ingere macro ou microplásticos há uma maior predisposição deste ser expelido do corpo.  “Se for muito mais pequeno (o plástico) que meio milímetro, há uma facilidade de entrar no corpo humano e na corrente sanguínea, acumulando-se nas células”, acrescenta João Pereira, adicionando que ainda não "não existem estudos conclusivos " para comprovar a existência de microplásticos que se possam infiltrar na corrente sanguínea . O biólogo apela para a importância de compreender e descrever o tamanho destes plásticos, uma vez que “há uma fase em que são impercetíveis e a tendência é considerar que desapareceram”, no entanto, estes plásticos apenas degradam em proporções que os tornam quase invisíveis. Este fenómeno é uma consequência da sua exposição durante longos períodos dentro de água, culminando na sua interação com organismos físicos, químico e biológicos diversos que o deterioram em partículas mais pequenas, uma vez que os plásticos são agentes insolúveis

A presença dos microplásticos no quotidiano compromete não só a qualidade de vida dos organismos marinhos, mas também a do ser humano. Apesar de não haver dados claros sobre as consequências dos microplásticos no organismo humano, as especulações abrangem teorias que remetem para a absorção do plástico pelo organismo de forma passiva e ativa.

As fibras naturais ou sintéticas, são microplásticos que devido à sua leveza e tamanho pequeno podem estar suspensas no ar. A celulose é um composto natural bastante presente no ambiente, contudo também pode ser produzida ou alterada pelo humano, o que dificulta a distinção entre celulose sintética e a natural. A existência desta forma de micro e nanoplástico nas correntes de ar culmina na sua inalação pelos seres vivos, no entanto a permanência destas fibras no organismo dos seres vivos ainda está a ser estudada, uma vez que não há dados suficientes para sustentar esta teoria. A embalagem dos alimentos em pacotes de plástico também pode ser um risco para a saúde, uma vez que estes se podem fragmentar em micro e nanoplásticos, transferindo-se para o alimento. Esta forma de contágio do plástico nos alimentos e posteriormente no organismo humano, ainda não é precisa, tornando difícil comprovar e especular as consequências a longo prazo destes agentes na saúde humana.

João Pereira confirma que a comunidade científica ainda não alcançou uma conclusão sobre a componente química dos microplásticos e o modo como se degradam no ambiente, salientando que “a ideia principal é tomar uma atitude de calamidade até haver resultados conclusos e objetivos sobre o impacto do plástico na saúde humana e no ecossistema”. De acordo com o estudante, esta atitude “passa pela consciencialização e a comunicação da situação e dos seus possíveis riscos, mantendo uma postura de incerteza e de questionamento, de modo a manter a conversa aberta a novas informações científicas”.

A comunicação de ciência é outro pilar que João Pereira considera importante, segundo o estudante é necessário haver uma comunicação eficiente e estratégica de modo a desmistificar e simplificar estes assuntos para o público geral. “É necessário comunicar o que está a acontecer e as soluções que estão a ser postas em prática, com o fim de informar devidamente as pessoas”, palavras do estudante de doutoramento que reforça a necessidade de comunicar para consciencializar o público da situação do plástico e alertar para os riscos e soluções, mantendo uma postura de calma.  “É necessário que se entenda a ciência, por mais complicada que seja. Temos de nos afastar do sensacionalismo em torno deste problema, temos de investigar, compreender e encontrar soluções viáveis a nível global”, conclui João Pereira.

As soluções para atenuar os danos causados pelo plástico ainda são poucas, muitas não são monetariamente viáveis e são pouco exequíveis. João Pereira conta que houve um “aspirador para colocar no mar que conseguisse recolher plásticos e microplásticos, mas nunca foi viável em termos marinhos”. Este aparelho é pouco viável na superfície e nas profundezas do ambiente marinho, uma vez que “é um ambiente muito hostil e volátil”, no entanto é eficaz nos ambientes fluviais, devido sua estabilidade. A utilização do aspirador no ambiente fluvial, faz com que grande parte do plástico presente nestas águas não chegue ao mar, atenuando uma percentagem da sua poluição. João Pereira na lista de soluções para colmatar a proliferação do plástico acrescenta que houve uma tentativa de produção de uma bactéria que degradasse o plástico, “no entanto este assunto é discutido”, uma vez que a reprodução da bactéria “pode alterar o equilíbrio do ecossistema”.

As soluções no domínio científico e tecnológico não são isoladas, o biólogo garante que há ações por parte da população que podem ajudar a combater o desperdício de plástico, bem como a poluição causada por este, “deixar mais limpo do que se encontrou. É uma maneira de contribuir para as soluções do problema”, adianta João Pereira. O estudante acrescenta que “não há nada que possa ser feito relativamente ao plástico existente no mar”, por isso a ideia essencial é “evitar aumentar o problema que já existe”.

A preocupação com os recursos marinhos é uma realidade na área de estudo do biólogo, dado que “se os microplásticos chegarem a mares profundos e aos corais, o seu bem-estar e longevidade são comprometidos, bem como o habitat de dezenas de espécies marinhas”. Deste modo, o altruísmo e tomar uma posição de “preocupação geral”, são medidas que o biólogo defende para manter o bem-estar destas espécies.

“Não existem soluções milagrosas, mas há pequenas coisas que podemos fazer para melhorar a situação em que estamos”

Sediado na ilha do Faial, João Pereira foca os seus estudos no Arquipélago dos Açores, sítio onde está a viver durante o seu doutoramento.

Este arquipélago, localizado entre Portugal e a América, é propicio à acumulação de plástico graças à sua posição geográfica, “é ridícula a quantidade de plásticos, quando se percebe que se está num sítio isolado no meio do atlântico que está exposto a uma poluição global”, afirma o estudante.

O futuro deste ramo da biologia, como garante João, debruça-se no estudo contínuo, que passará pela quantificação e compreensão do plástico e os seus impactos nos ecossistemas. É um mundo aberto, que procura por respostas a um problema macro que afeta minuciosamente o planeta de dentro para fora.

Imagens por João Pereira e Azores Marine Litter Lab