Eduardo Gonçalves
A música enquanto paixão de uma vida
A ideia de que vimos ao mundo com um propósito parece estranhamente reconfortante. Há aqueles que vingam pela liderança, os que dão a vida por quem amam e os que amam por que vivem. Os que criam, os que riem e fazem rir, os que movem montanhas sem saber que o fazem. No meio de biliões, há aqueles cuja presença não pode, nem deve, ser ignorada. Os que marcam pela diferença e, a pouco e pouco, trazem um pouco mais de cor ao mundo. Mas toda a história tem um começo. Para Eduardo, vulgo Russo, a história fez-se, na sua grande parte, em Vale de Cambra.
Nasce a 10 de julho de 1998, mas os primeiros passos no mundo da música viria a dá-los mais tarde. Com 14 anos, motivado pelo desejo de impressionar uma rapariga, também ela amante de música, pega na guitarra pela primeira vez, na esperança de que isto os aproximasse.
Por se tratar de uma reportagem musical, permitam-me citar Rolling Stones: "you can't always get what you want but if you try, sometimes, you might find you get what you need". Longe vai a rapariga e a paixão que procurava, mas, a que encontrou, por mero acaso, decidiu ficar. Eduardo não se opôs, aceitou de bom grado abrir os braços à música e, o que começou como uma brincadeira, a aprender, sozinho, músicas pelo youtube, em pouco tempo se tornou no verdadeiro amor de uma vida.
Começa a publicar na internet os vídeos e áudios que grava e acumula reações positivas, na sua maioria. Seguem-se as atuações em espaços públicos, como a Escola Secundária de Vale de Cambra, o café Ágora e a Vadia BrewPub, entre outros.
Em fevereiro de 2017, Eduardo junta-se à Estudantina Universitária de Coimbra, mas, o que parecia destino, em questão de meses se desmoronou por desacatos.
Talvez fossem necessários alguns conterrâneos para que a dinâmica de grupo funcionasse sem problemas. É em Vale de Cambra que, em 2018, é convidado para ser o novo vocalista dos Zanga, uma banda de tributo aos Nirvana. Aceita o desafio e começa os ensaios.
No total, faz dois concertos com os Zanga. À exceção de Eduardo, toda a banda, que já tinha perdido dois vocalistas para o trabalho e vida familiar, rapidamente sofre o mesmo destino. Assim, porque a vida de um adulto é mais preenchida, o projeto termina, mas é deixado um convite: “Se quiseres, tenta ressuscitar esta ideia com malta mais nova”. Talvez um dia…
Por agora, segue a solo. Em Coimbra, é nas noites de open mic que recorre ao “Murphy’s Irish Pub” para “matar o bichinho”, quando lhe apetece.
Em Vale de Cambra, terra natal, é frequentemente convidado para atuar em bares e cafés locais e aceita sem pensar duas vezes. Sempre acompanhado de uma plateia fiel, e de uns quantos curiosos, Eduardo vai construíndo o seu caminho, a par e passo, um dia de cada vez.
É pelas vozes do próprio, e de três amigos, Luís, Adriana e Campos, que conhecemos a sua história. Uma epopeia na qual a guitarra parece ser a arma de eleição, não fosse esta uma ramificação do seu ser.
A cara por trás da música
O artista constrói-se e reconstrói-se, todo ele é constante movimento, resultado de experiências e inspiração. Esta última, busca-a, maioritariamente, num outro artista: Eddie Vedder. Para Eduardo, uma das maiores realizações foi poder ver o músico atuar em Lisboa no verão passado.
Quanto às experiências, as respostas são muitas e variadas. Mas uma coisa é certa: o gosto pela música é anterior a tudo o resto . De certa forma, a música é hoje parte dele, não existe um sem o outro. Porque a música conta histórias e também conta a do Russo. Molda-o e, na opinião de Luís, faz dele quem é. Mas uma vez "longe dos holofotes", quem é, afinal, o artista?
A guitarra parece segui-lo como de uma sombra se tratasse . Umas vezes acompanhados de terceiros, e outras com a companhia apenas um do outro, servindo como um refúgio. Às vezes, quando o “bichinho” chama e a vontade aperta, isola-se do mundo , porque assim tem de ser.
Aos olhos dos amigos, cresce o artista e cresce o homem. O percurso, sempre indivisível, salta de mão em mão, alternando entre ambos, nunca se afastando muito e nunca perdendo o norte, dada a impossibilidade em separar os seus lados pessoal e musical.
Engenharia VS Música
A batalha de uma vida
Se “o sonho comanda a vida”, por que parece o mundo encontrar tamanha dificuldade em aceitar as coisas como elas são? Não será mais lógico agarrar, com alma e garra, aquilo que nos levanta o espírito e enriquece a mente, do que permanecer presos a uma meia vida, nunca totalmente preenchida? Talvez porque certas questões se coloquem no caminho e representem pedras no sapato ou talvez porque nada é verdadeiramente como se quer. As opiniões divergem, naturalmente, embora um ponto permaneça comum: gosto vs necessidade.
Para Eduardo, o vislumbre do sonho começou ou, pelo menos, intensificou-se, em 2016, quando, de férias com os amigos, decidiu "atuar" nas ruas da Quarteira. Uma atividade que se viria a mostrar duplamente proveitosa, tendo-lhe enchido a carteira e o ego, tamanho foi o feedback positivo. A experiência abre-lhe a mente para o futuro e sente, pela primeira vez, o desejo de "seguir o sol" .
Tendo sempre em mente que a música deveria ser o plano A, não deixa de se preparar para a eventualidade de não dar certo e, meses mais tarde, ingressa em Engenharia Mecânica, na Universidade de Coimbra. Hoje, arrepende-se de não ter ouvido o avô , que lhe pediu para entrar num conservatório de música no seu 7º ano. Contudo, mantém a vontade de aprender mais tarde e, quiçá um dia, uma vez terminado o curso, viver da música.
Os amigos apoiam a escolha, mas não deixam de exprimir o que pensam. Para Campos, o futuro prende-se com a engenharia, uma vez que é, na sua opinião, o que mais estabilidade pode dar a Eduardo. Uma visão que, embora compreendida por Adriana, a concretizar-se, deixará a amiga triste, pois sabe que isso representará o adiar de um sonho.
Os pais compreendem o desejo, mas pedem cautela. A "insegurança de pais", como lhe chama, faz-lhe ter os pés assentes na terra, mas continuar a sonhar.
Até à data...
Apesar de ter uma página no Facebook, criada na altura em que começou a publicar os covers, Eduardo há muito que a abandonou, pois sente que o material que tem até agora ainda não é suficiente para algo tão sério.
Ao abandono, e até “desalojados”, foram também deixados os primeiros covers que fez. Embora não considere que tenha mudado o estilo, começou a tocar o que mais gostava, e achou que já não havia espaço para os primeiros trabalhos. Não esconde, contudo, que teria sido bom deixá-los ficar, de modo a ver hoje a sua evolução. No entanto, "a decisão foi tomada e agora não se pode voltar atrás".
Dos originais publicados, contam-se dois: “You can’t ?” e “Um Querer”. Chama-lhes testes, para ver se as pessoas gostam ou não, mas admite que não os devia ter partilhado. Pelo menos, não para já. Diz estar à espera de ter o material e o momento certo para o “fazer em condições”. Outros, se existirem, permanecem guardados a sete chaves, pois Eduardo nunca quis que vissem a luz do dia. Talvez a razão para tão poucos terem chegado aos olhos do público se prenda com o que Adriana diz, e o próprio complementa, relativamente à dificuldade em musicar .
Ou talvez, como qualquer artista que se preze, Eduardo nunca esteja verdadeiramente satisfeito com o seu trabalho, por haver sempre chance para melhorar. Certo é que, mesmo sem os originais, vai reunindo um número considerável de fãs, nacionais e internacionais, nas plataformas em que publica as suas interpretações dos trabalhos de quem mais gosta.
Com o passar de anos, e apesar da sua curta carreira, vão aparecendo, a pouco e pouco, aqueles que reconhecem o seu talento. Passo a passo, um público vai sendo construído. Claro está que esse mesmo público começa com os amigos. Campos também não esquece esse momento, tamanha a sua importância para a geração de 98.
De todos, Adriana parece ter um gosto especial em ouvir o Eduardo tocar e cantar. Também ela música, mas com um instrumento diferente em mãos, o piano, entre as palavras deixa escapar a confiança que tem nas capacidades do amigo.
O próximo passo
Apesar de serem normalmente uma rampa de lançamento para artistas em crescimento, Eduardo parece querer manter-se longe dos concursos televisivos. Após concorrer ao The Voice, em 2016, por “pressão” dos amigos, e ter ficado pela 2ª fase de castings, Russo não tentou, até à data, mais nenhuma atuação em televisão. Se, por um lado, sabe agora, com total certeza, que esse tipo de concursos procura “mais história do que músicos”, é também capaz de reconhecer que, há 4 anos, a voz que tinha era ainda muito precoce.
Mais recentemente, e também por incentivo de amigos, dos quais se destacam Adriana, participou no concurso online Gifted, ficando entre os 40 selecionados de entre 1000 candidatos.
Ironicamente, e apesar de assim não parecer, a decisão final sobre participar ou não é sempre de Eduardo e os amigos procuram apenas entender os seus motivos. Na opinião de Luís, Russo opta por apostar mais num público regional e crescer a partir daí. Já Adriana, confessa não ter total certeza de quais possam ser os motivos, mas aponta que o mais provável é estar relacionado com o facto de haver alguma injustiça nos referidos concursos .
Daqui para a frente, e, para já, o reconhecimento musical de Eduardo permanece incerto. Se, para Adriana, tudo o que falta são, essencialmente, oportunidades, para Campos há alguns aspetos a melhorar de modo a que o amigo possa evoluir como músico.
E quanto ao reportório? Será ele imutável? É sabido que, até à data, Eduardo já o alterou pelo menos uma vez. Os primeiros vídeos publicados na internet eram covers de Ed Sheeran, algo que o artista não se vê a fazer novamente . Atualmente, é no grunge e no rock que encontra o seu porto de abrigo e, embora não pareça vir a mudar nos próximos tempos, Campos deixa a lembrança que, caso o faça, a decisão só depende dele .
O amor pela música parece-lhe inato. "Como um puto", vive e aproveita, com um brilho no olhar e um sorriso no rosto, cada momento a ela relacionado.
Luís acredita no sucesso do amigo, mas Eduardo reconhece que a vida como músico é tudo menos fácil, sendo esse o único motivo pelo qual não aposta, para já, a tempo inteiro. Contudo, o sonho permanece e,se tudo correr mal, o plano está traçado.
Imagens de capítulos: OZON; Stockgiu / VectorStock; HiClipart; BPF; Jackie Anderson / PNGITEM; PikPng; PNGBarn; ClipartPNG (Editadas em Photoshop por Francisco Madaíl)
Restantes imagens: Adriana Simões; Eduardo Gonçalves