Estamos indo de volta pra casa
Estudantes brasileiros de mobilidade na Universidade de Coimbra contam como a pandemia do COVID-19 foi um fator decisivo em suas vidas
Tentar um intercâmbio nem sempre é uma tarefa fácil. São muitas avaliações, prazos e documentos até chegar ao tão esperado dia de fechar as malas e partir para novas experiências. Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, esse momento ficou marcado para muitos brasileiros estudantes de mobilidade acadêmica na Universidade de Coimbra. Eles partiram para a realização de um sonho que, diante da pandemia mundial, precisou ser reajustado aos desafios que o cenário propôs.
Rio, 27 de janeiro, na noite de segunda-feira, Giovanna Corrêa Soranzo, estudante de Arquitetura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se preparava para embarcar no aeroporto do Rio de Janeiro em uma experiência que ela considerava ser, em suas palavras, “uma oportunidade, principalmente de crescimento pra minha carreira”.
Mas antes, ela teve um longo caminho até a hora do embarque: “Eu demorei um pouco para resolver as datas de chegada, minha carta de aceite demorou pra chegar e chegou com meu nome errado, por isso meu visto atrasou, e eu não quis comprar passagem antes do meu visto chegar”. A estudante diz também sobre a dificuldade no processo de ser aceita no intercâmbio: “a própria UFRJ têm muitos critérios, então tive que escrever algumas cartas, eles avaliaram as minhas notas, conversaram com professores, etc. Inclusive uma professora minha teve que fazer uma avaliação sobre mim, mas no final deu tudo certo e eu consegui.
Entre os documentos que UFRJ pede em seu edital estão: documentos que comprovem que o aluno está matriculado em um dos seus cursos, CR (Coeficiente Regular), histórico escolar e do percentual de matérias concluídas no curso do estudante. Segundo o site da DRI (Direção de Relações Internacionais da UFRJ), no ano de 2019, o percentual máximo era de 80%, ou seja, alunos que passassem deste número, não poderiam tentar o programa de mobilidade regular o qual Giovanna se candidatou e passou. As informações sobre os documentos necessários e cada edital estão disponíveis na página da Direção de Relações Internacionais do site da universidade.
Giovanna Soranzo, intercambista de Arquitetura e Urbanismo (UFRJ) na Universidade de Coimbra.
Para Mykaelly Souza, estudante do curso de Direito na PUC-Go (Pontifícia Universidade Católica de Goiás) o intercâmbio foi um sonho que, desde muito nova, teve vontade de realizar e não conseguiu, até que, em 2020, finalmente se viu cursando Direito na Universidade de Coimbra. “O meu intercâmbio foi algo muito complicado, porque eu tento fazê-lo há 7 anos. E em 2015 eu ia fazer para os Estados Unidos, mas acabou que tive um problema pulmonar e não consegui ir. Em 2019, eu ia para Coimbra, mas meu avô teve um problema no coração, e todo o dinheiro foi para a cirurgia dele”.
Contudo, a Myka - como conta que é chamada pelas colegas de intercâmbio, tentou novamente um novo processo para a UC em julho de 2019 e, dessa vez, tudo se encaminhou para ela finalmente conseguir conquistar seu sonho. Ainda assim, a apreensão e sentimentos de ansiedade de Mykaelly perduraram até o dia de sua viagem, ela conta que foi tentando controlar a ansiedade até chegar o dia do embarque.
Para muitos, a experiência de viver um intercâmbio é vista como um momento único, onde os estudantes têm a oportunidade de estar em contato com culturas e lugares diferentes. “Há dois meses, acredito que eu diria que estar num intercâmbio é a maior oportunidade da sua vida: é o momento em que você pode ser 100% você, num lugar novo, com pessoas novas, experiências que você nunca imaginou viver, dentro de uma cultura completamente diferente. Uma oportunidade de crescer como pessoa, ver outras realidades, depender inteiramente de si para tudo”, conta a intercambista de Arquitetura e Urbanismo na UC, Lavínia Pimentel.
Lavínia Pimentel, intercambista de Arquitetura e Urbanismo (UFV) em mobilidade na Universidade de Coimbra
Coimbra, 9 de março, era noite de segunda-feira quando, alunos da Universidade de Coimbra, recebiam notícias em grupos de WhatsApp sobre a suspensão das aulas presenciais, por duas semanas, nas universidades de Coimbra e Lisboa. A pandemia do novo coronavírus se iniciava na Europa, países como Itália e Espanha já haviam determinado o isolamento social. Naquela semana, Portugal também seguia seus rumos para pôr em prática o confinamento em todo território nacional.
Com a notícia se espalhando por grupos de WhatsApp, alunos de intercâmbio da Universidade de Coimbra esperavam o e-mail da DRI para confirmar a notícia. Um dia depois (10/03), o e-mail oficial do Reitor da universidade, Amílcar Falcão, veio com o comunicado: “A UC elaborou um Plano de Contingência, a aplicar com efeitos imediatos por um período de pelo menos 15 dias (…) Numa primeira fase, ficam suspensas todas as atividades letivas presenciais, substituindo-se por métodos digitais para promoção de um ensino à distância a serem desenvolvidos nos próximos dias”.
Pioneira no desenvolvimento de programas de intercâmbio estudantil em Portugal, a UC recebe a cada ano milhares de estudantes intercambistas os quais, no momento que receberam a notícia da suspensão das aulas presenciais, logo tiveram que escolher entre ficar ou ir embora para o Brasil.
A decisão de ficar de Roberta Sena Vilasboas, estudante de Direito da Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros), foi carregada de otimismo. Segundo ela, quando recebeu o e-mail da UC suspendendo as aulas, pensou que depois tudo voltaria ao normal, mas o cenário não foi como o esperado pela mineira.
“Primeiro, a notícia que nós recebemos foi a de que seria apenas 15 dias sem aula e depois, quem sabe, tudo voltaria ao normal. Muita gente falava que iria piorar, mas sempre me mantive muito otimista. Por mais que estivesse 20 dias trancada dentro de casa, eu sempre me mantive positiva, sempre enxergava uma luz no fim do túnel”.
Segundo Roberta, a decisão de permanecer em Coimbra veio depois de muito apoio de seus familiares e amigos. Ela diz que seu intercâmbio não foi como esperado, mas que está valendo a pena: “Quando a gente pensa em intercâmbio a gente pensa em a vida como um filme, né? Todo final de semana viajando, conhecendo uma galera enorme, muito gringo, e não um intercâmbio dentro de casa, visto da janela do quarto. Mas, apesar disso tudo está sendo muito incrível”.
Perguntada sobre como foi sua experiência de viver confinada, longe da família e em outro país, a intercambista de direito diz: “A gente se divertiu, a gente refletiu, pensamos na vida, via o mundo muito bonito lá fora, outra paisagem da qual eu não era habituada a ver da minha janela no Brasil, essa aqui é outra, né? As coisas não ocorreram como imaginei, mas ocorreram da maneira que tinham que ocorrer”. A estudante divide um duplex na Sé Velha de Coimbra com mais 7 meninas as quais, aos poucos, pela janela de seu quarto, Roberta se viu despedindo de cada uma delas.
Após dois meses de confinamento a conjuntura de pandemia em Portugal começou a caminhar lentamente para possíveis afrouxamentos nas regras de isolamento social. Segundo relatório da DGS (Direção Geral de Saúde), em abril, a taxa de novos casos por dia era em média 11%, até o dia 20 de maio essa taxa caiu para 2%.
DECISÕES
Em meio ao cenário de incertezas causado pela pandemia, tomar uma decisão sobre ficar ou voltar para o Brasil acabou se tornando para muitos uma obrigação. Giovanna Soranzo conta sobre seu processo:
“A decisão de voltar foi a mais difícil de toda a minha vida. Eu não queria voltar, eu estava convicta de que eu tinha que ficar em Portugal. A decisão foi tomada pela minha mãe que, querendo ou não, tinha esse poder em relação a mim”.
A estudante da UFRJ diz que foi quando recebeu a notícia que as fronteiras iriam se fechar que a decisão foi tomada: “eu entrei um pouco em desespero, e ela mais ainda. Então ela virou pra mim e falou assim 'você vai voltar, é pra você comprar passagem agora, to mandando os dados do meu cartão. Compra. O mais rápido possível'. E foi o que eu fiz, né? Paguei muito mais caro, mas foi o que deu pra fazer”.
A VOLTA PARA O BRASIL
Coimbra, 17 de março, noite de terça-feira, Giovanna se preparava para sua volta ao Brasil, depois de ter suas passagens canceladas, a estudante conta que estava apreensiva com sua volta, quando recebe uma notícia inesperada a de que sua avó havia falecido: “a gente passou por vários perrengues nesse tempo, um deles foi que eu perdi a minha avó no dia que eu peguei o vôo pro Brasil. Na noite anterior do vôo, eu recebi a notícia que ela havia falecido, então eu senti que eu precisava estar aqui em casa com a minha família”. Ela, então, pergunta: “E se acontecesse alguma coisa com alguém da minha família, por conta dessa pandemia, e eu não estivesse aqui?”.
SUPORTE ACADÊMICO
O suporte das universidades para com os estudantes se tornou essencial diante das incertezas e preocupações que vieram com a pandemia. “Sobre o apoio da Universidade, foi o que mais me fez continuar aqui em Portugal: estar tendo aula foi o que me manteve relativamente sã, porque mesmo que eu não estivesse vivendo todas as experiências da forma que eu queria, eu ainda estava conseguindo fazer o que foi, desde o início, a proposta do intercâmbio: estudar na Universidade de Coimbra”, declara Lavínia. Segundo o site e os e-mails enviados para os alunos, a UC forneceu apoio psicológico e material para os estudantes que continuaram em Coimbra tendo aulas online. Mais informações, você pode encontrar clicando aqui.
O coordenador de intercâmbio do curso de Jornalismo e Comunicação, João Miranda, conta sobre os primeiros cuidados com os estudantes em intercâmbio “esse cenário evidentemente trouxe preocupações acrescidas, sobretudo no sentido de garantir a segurança e bem estar tanto dos estudantes vindos de outros lugares para estudar em coimbra, como também os que vão de coimbra estudar para fora”. Segundo o site da Universidade de Coimbra, são 1.123 estudantes internacionais e 4.674 estudantes de nacionalidades estrangeiras.
Perguntado quais foram as recomendações do DRI da UC para os coordenadores, Miranda diz que houve uma procura para adequar as formas de ensino e de avaliação para todos os estudantes, além da procura “com cuidados acrescidos e uma série de particularidades” de adequar todas essas questões também para os estudantes em mobilidade na UC.
“Garantindo, desde logo, que tenham capacidade e possibilidade de ascender tanto a parte letiva como aos componentes de avaliação".
O estudante de mobilidade, António Cavalcanti, do curso de Odontologia da UNIMONTES diz que a decisão de voltar para casa foi angustiante e diz “Eu decidi voltar para o meu país muito rápido. Logo quando encerrou o primeiro prazo, que a DGS (Direção Geral de Saúde) determinou os primeiros 14 dias de isolamento”. “O alojamento que eu vivia foi desativado para unir os outros alojamentos e manter os estudantes em um local só, onde a universidade conseguiria ter um controle maior desses estudantes, perante a situação da pandemia”, conta sobre a situação dos estudantes que estavam em alojamentos e receberam a notícia que teriam que sair de lá.
Antônio conta também que sua decisão de voltar pra casa lhe trouxe segurança: “segurança de estar no país que eu sei como funciona, estar onde tenho familiares que podem me ajudar. Me senti mais seguro em voltar pra casa. Pois, para mim, estar em Coimbra naquela situação era sempre uma vida com incertezas.”
CENÁRIO DE CERTEZAS
Apesar das circunstâncias impostas pela pandemia do novo coronavírus, a certeza que fica na vida desses estudantes é a de que manter o equilíbrio em momentos incertos pode ser a melhor saída para a tomada de difíceis decisões.
Maio de 2020, até o momento dessa entrevista, os estudantes de mobilidade entrevistados continuam enfrentando desafios impostos pelo COVID-19, mas seguem tirando aprendizados sobre o que viveram em um intercâmbio diferente de todos os outros.
Veja abaixo o que esses estudantes falam sobre o aprendizado que tiveram em 3 meses de intercâmbio em meio à pandemia mundial do coronavírus: