Inclusão através do esporte: Superação de deficientes visuais em Portugal

A prática de esportes desempenha um papel fundamental na vida das pessoas, uma vez que oferece benefícios que vão além de uma mera atividade física. Além disso, promovem o desenvolvimento social, incentivam a disciplina e a determinação, tendo um impacto significativo para a saúde física e mental, além de fomentar a inclusão e a igualdade. No fim, praticar esportes é essencial para uma vida equilibrada e saudável.
Exercícios físicos são vitais para o desenvolvimento integral das pessoas, abrangendo aspectos físicos, mentais, emocionais e sociais. O esporte tem um poder de transformar e incluir pessoas, sobretudo quando falamos de pessoas com deficiência visual. Nesta reportagem, são exploradas as histórias de Fortunato Dias, Eunice, Paula Cotrim e Márcio Sousa, que dedicam suas vidas ao esporte adaptado e lutam para que mais pessoas com deficiência visual tenham acesso a essas oportunidades.
Algumas das modalidades disponíveis
O futebol de cegos geralmente ocorre numa quadra de futsal adaptada, no entanto desde os Jogos Paralímpicos de Atenas em 2004, também tem sido praticado em campos de grama sintética. Para isso, nas linhas laterais são colocadas bandas com o intuito de impedir que a bola saia do campo. A modalidade é composta por cinco jogadores, quatro na linha, seja cego ou pessoa com baixa visão , que fazem uso de uma venda e o goleiro, o único que tem visão total e não pode ter participado de competições oficiais da Fifa nos últimos cinco anos.
As partidas do futebol de cegos são silenciosas, em locais sem ecos, a fim de auxiliar na localização da bola, que possui guizos internos. Por isso, a torcida só pode se manifestar no momento dos gols. Além disso, a modalidade possui um guia - ou chamador -, que fica por trás do gol adversário orientando os atletas da sua equipe, são as direções dele que os jogadores seguem para se posicionar no campo e para onde devem passar e chutar. O técnico e o goleiro também podem auxiliar na quadra.
Já o Goalball foi criado em 1946 com o intuito de reabilitar veteranos da Segunda Guerra Mundial que perderam a visão, por isso ele é a única prática esportiva que foi criada e desenvolvida exclusivamente para pessoas com deficiência visual. As dimensões são as mesmas do vôlei e as partidas são realizadas em dois tempos de 12 minutos, sendo cada equipe constituída por três jogadores titulares e três suplentes.
O objetivo é marcar gol na baliza do adversário com uma bola, que pesa cerca de 1,250 Kg e possui um dispositivo sonoro interno que em contato com o solo ajuda os jogadores a discernir onde a bola está localizada. Assim como o futebol de cegos, não pode haver ruído durante a partida, já que se trata de um esporte baseado em percepções tátil e auditiva.
Na modalidade existem atletas com deficiência visual de diferentes classes, intituladas B1, B2 e B3, referentes ao grau da deficiência de cada atleta. Por isso, os jogadores usam tampões oculares e viseiras opacas, como forma de garantir que todos os jogadores tenham as mesmas oportunidades.
O Showdown é uma modalidade em que dois jogadores, posicionados em cada extremo de uma mesa - geralmente de madeira - tentam lançar a bola, que contém esferas de metal, até a baliza adversária com uma placa central. A mesa tem uma placa central que divide os campos e não pode ser acertada. Ambos os jogadores precisam usar viseiras opacas. O primeiro a alcançar 11 pontos, com uma diferença superior a 2 pontos do outro atleta, vence.
O tiro se tornou modalidade nos Jogos Paralímpicos na edição de 1976, em Toronto. O esporte pode ser realizado por pessoas com deficiência auditiva, visual ou motora, no entanto nas Paraolimpíadas apenas são aceites atletas com deficiência motora.
A distância do disparo de carabina é de 10 metros e é feito a partir de um laser, que tem ligação direta com a carabina. Conforme mais próximo fica do alvo, mais agudo e frequente o barulho fica

A liberdade através do esporte
Fortunato Dias conta que sempre teve uma inclinação para as artes marciais, no entanto foi no atletismo que encontrou uma oportunidade com mais acessibilidade para alguém com deficiência. Hoje, ele pratica diversas modalidades, como goalball, showdown e ciclismo adaptado, mas também leciona aulas de capoeira.
Para Fortunato, a prática esportiva trouxe uma mudança significativa para sua vida. "Sempre fui muito solto, mas ao mesmo tempo preso", explica. O atleta acredita que qualquer cidadão, com ou sem deficiência deve praticar esportes, pois são estes que tornam a "vida muito mais livre". Fortunato acredita que o esporte é um caminho para a liberdade e uma ferramenta essencial para a inclusão.
Além da própria prática, Fortunato também destaca a importância de ensinar e compartilhar suas habilidades com outras pessoas com deficiência. "Ensinar capoeira para outros me faz perceber o impacto positivo que o esporte pode ter na vida delas", conta. Fortunato conclui ao dizer que é "extremamente gratificante" ver a alegria e o progresso dos seus alunos.
Superação e realização pessoal
Eunice Santos começou a praticar esportes em Coimbra, onde se destacou no atletismo, chegando a integrar a seleção nacional em 1997 e 1998. Porém, devido ao agravamento de seu problema ocular precisou se afastar das pistas. "Até 2019, eu fazia apenas caminhadas e corridas na rua, mas voltei ao esporte em 2020, quando já não havia mais o entrave de perder a visão", conta.
Para Eunice, a prática esportiva trouxe uma maior realização pessoal, junto a um sentido de pertença. Ressalta também a importância de praticar modalidades, pois auxilia os invisuais a adquirir novas ferramentas para enfrentar o dia-a-dia. "As pessoas deficientes visuais são normalmente muito sedentárias, e o esporte ajuda a melhorar a saúde e enfrentar os desafios diários", afirma Eunice.
Além disso, destaca a importância da comunidade esportiva em sua jornada e caracterizou o "apoio e camaradagem de colegas e treinadores" como fundamentais. Pois além de "ajudar tecnicamente, oferecem também suporte emocional", afirma. Devido às suas participações em eventos esportivos, Eunice se sente parte de uma comunidade maior, que a apoia e a incentiva a continuar.
Uma nova perspectiva
Paula Cotrim, é associada da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) e foi por esta que conheceu o Sport Clube Conimbricense (SCC). Ela afirma que encontrou no esporte uma forma de preencher o vazio deixado pela perda gradual da visão. "O desporto sempre foi meu calcanhar de Aquiles, mas tive uma experiência de atleta quando fomos à Eslováquia competir", conta.
Para Paula, a principal mudança trazida pelo esporte foi sentir que, apesar das dificuldades, novas portas se abriram. "É muito bom para a saúde mental e para a socialização com pares na mesma situação". A atleta entende que "a prática de esportes adaptados é uma forma de continuar ativo e encontrar novas oportunidades", destaca.
Ressalta também a importância de competições internacionais na sua vida. "Participar de competições no exterior abriu minha mente para as possibilidades que posso alcançar", afirma Paula. Caracterizou a experiência como "enriquecedora", pois é o que a motiva a continuar treinando e se superando.
O desafio do fomento esportivo
Márcio Sousa, treinador e responsável por diversas modalidades no Sport Clube Conimbricense, evidencia os desafios do fomento do esporte para deficientes visuais em Portugal. Explica que existem diversas associações e federações que cuidam da prática de esportes para pessoas com deficiência, mas no geral estão num ponto de declínio. "São poucos atletas recrutados e o fomento para descobrir novos talentos não é bem feito", critica Márcio.
Enfatiza também a importância dos clubes em promover o esporte inclusivo e a necessidade de mais investimento e apoio. Márcio acredita que "se cada clube abraçasse uma modalidade, o mundo seria mais inclusivo". Além disso, lamenta que "fala-se muito em inclusão, mas nas ações não se vê essa frequência do falar". Márcio também destaca a necessidade de formação e estruturas adequadas para a prática de esportes e menciona a importância das candidaturas e prêmios financeiros para o desenvolvimento do esporte adaptado.
Apesar das críticas, Márcio acredita na consolidação do esporte para pessoas com deficiência. "É fundamental aumentar a visibilidade do esporte para deficientes através de campanhas de conscientização e parcerias com escolas e universidades", explica. O treinador acredita que é necessário "mostrar às pessoas que o esporte adaptado é viável e acessível para todos”.
Desafios e oportunidades
A prática de esportes para deficientes visuais enfrentam diversos desafios, incluindo a falta de infraestrutura adequada e o preconceito. Porém, são histórias como as de Fortunato, Eunice, Paula e Márcio que mostram que, com o devido apoio e determinação, é possível superar esses obstáculos.
De acordo com Fortunato, a maior barreira é o preconceito, pois, muitas vezes, as pessoas subestimam as capacidades de quem tem deficiência visual. Ele afirma que é preciso “mudar essa mentalidade e mostrar que somos capazes de competir e vencer”. O atleta acredita que a visibilidade e o reconhecimento do esporte para deficientes visuais são cruciais para romper essas barreiras.
Além disso, Eunice acrescenta que a falta de recursos também é um desafio significativo. “Muitas vezes faltam equipamentos adequados e locais acessíveis para treinar, precisamos de mais investimentos para criar condições ideias para a prática desportiva”, destaca. Eunice acredita que a colaboração entre governos, empresas e organizações não governamentais pode ajudar a superar esses desafios.

O futuro do esporte inclusivo
O futuro do esporte para deficientes visuais em Portugal depende de esforços contínuos para aumentar a inclusão e a acessibilidade. A criação de políticas públicas voltadas para o esporte adaptado, a formação de treinadores especializados e a promoção de eventos esportivos inclusivos são passos importantes para alcançar esse objetivo.
Para Paula Cotrim, o esporte para deficientes visuais tem um futuro promissor, no entanto é preciso “trabalhar juntos para construir esse futuro”. Além disso, espera que, futuramente, mais pessoas com deficiência visual tenham acesso às mesmas oportunidades que ela teve. “Cada passo conta, e cada conquista é um passo na direção certa”, afirma Paula.
Nesta reportagem, histórias que ilustram a transformação proporcionada pelo esporte na vida das pessoas com deficiência visual foram contadas. A prática de esportes não melhora apenas a saúde e a qualidade de vida das pessoas com deficiência, como também promove inclusão, autoestima e uma nova perspectiva de vida. Apesar dos desafios, o trabalho desses indivíduos e organizações em Coimbra mostra que, com dedicação e apoio, o esporte pode ser uma poderosa ferramenta de transformação social.
Através dessas narrativas, é possível perceber que o esporte é um vetor de mudança e inclusão, capaz de transformar vidas e promover uma sociedade mais justa e igualitária. O compromisso desses atletas e profissionais com o esporte adaptado serve de inspiração para todos e demonstra que, mais uma vez, com determinação e apoio, qualquer barreira pode ser superada.
Afinal, o esporte tem o poder de transformar vidas. "Precisamos continuar lutando por um mundo mais inclusivo e justo, onde todos tenham a oportunidade de participar e se destacar", conclui Márcio.