A Influência do Estado Novo na Arquitetura do Polo 1

Escadas Monumentais eram porta de acesso à Cidade Universitária de Coimbra.

O Polo 1, que na atualidade corresponde à zona histórica da cidade e da Universidade de Coimbra (UC), antes do Estado Novo, era já um espaço universitário. Na época, existia apenas o Paço das Escolas, onde Salazar estudou e, mais tarde, na Faculdade de Direito da UC, foi professor.

Durante séculos, toda a área, que dava lugar aos colégios religiosos que preparavam os alunos para entrarem na universidade, era muito associada à educação e, sobretudo, ao ensino superior. No entanto, nos anos 40, surgiu a necessidade de aumentar o espaço físico da universidade, uma vez que existiam mais alunos.

Embora tivesse a opção de usar uma zona nova da cidade, Salazar optou por mandar deitar abaixo os edifícios que existiam, para dar lugar a uma zona completamente dedicada ao ensino superior.

O mesmo aconteceu na capital do país mas, ao contrário de Coimbra, existe até aos dias de hoje, nomeadamente na Universidade (Clássica) de Lisboa, que se situa precisamente numa área chamada Cidade Universitária.

Assim originou-se a Cidade Universitária de Coimbra (1943-1975), a mais longa obra de promoção do Estado Novo. Mas será que os elementos arquitetónicos pensados e criados, na altura, ainda promovem e transmitem os valores do Estado Novo aos estudantes de Coimbra? Esta é a questão.

Item 1 of 3

Em 2013, a Alta de Coimbra, onde se localiza o Polo 1, foi declarada património mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), distinção que veio reforçar a imagem da Cidade Universitária como símbolo identitário da cidade.

Foto aérea da Cidade Universitária de Coimbra e Instalações Académicas.

Sara Dias-Trindade, docente da Faculdade de Letras da UC (FLUC), conta que a arquitetura do Polo 1 está pensada numa lógica de integração entre todos os edifícios.

“As Escadas Monumentais foram construídas no âmbito deste projeto [do Salazar] e pensadas como a porta de acesso à Cidade Universitária de Coimbra. Nós subimos e somos recebidos pelo rei que instituiu a universidade em Coimbra, D. Dinis, estátua que está virada para as escadas”, explica.

“Depois o percurso continua pela Rua Larga, que atravessa o Largo Dom Dinis e vai até à Porta Férrea, que é, no fundo, a rua da sabedoria”, continua Sara Dias-Trindade.

Faculdade de Medicina vista do Departamento de Física (2010). Fotografia de Jorge Farinha.

Faculdade de Medicina vista do Departamento de Física (2010). Fotografia de Jorge Farinha.

Os edifícios do Polo 1, como a FLUC, a Faculdade de Medicina e a de Ciências e Tecnologia, por exemplo, foram sendo construídos nessa época, com o intuito de concentrar todos de uma forma articulada.

VISTA 360º

Outro elemento que permite identificar a influência do Estado Novo na arquitetura do Polo 1 são as quatro estátuas clássicas em frente à Faculdade de Letras. Cada uma tem um significado.

Quem olha de frente para o edifício pode ver representado, da esquerda para a direita:

A Eloquência, simbolizada por Demóstenes, um famoso político e orador da Grécia Antiga.

A Filosofia, representada por Aristóteles.

A História, simbolizada por Tucídides.

Por fim, mais à direita, está a poetisa grega Safo a representar a Poesia.

Todas estas estátuas são símbolos do passado, mas também da história da Universidade de Coimbra como Centro do Conhecimento.

De acordo com Sara Dias-Trindade, "há muitos edifícios no Polo 1 cuja estrutura arquitetónica é muito semelhante àquela que se encontrava na Alemanha Nazi". Considera ainda que o projeto arquitetónico na construção da Cidade Universitária de Coimbra é fruto de uma época.

A professora explica que Estado Novo se inspirava em elementos de regimes com os quais se identificava, transmitindo valores como poder e força, no exterior dos edifícios. “Se perguntar a algum aluno alemão da UC se os edifícios do Polo 1 lhe dizem alguma coisa, ele provavelmente vai dizer que sim”, acrescenta.

Segundo Susana Constantino, no estudo Coimbra e o valor identitário da retórica do Estado Novo, a arquitetura do Polo 1 foi também particularmente influenciada pelos princípios da arquitetura do fascismo italiano.

Acrescenta ainda que foi influenciada “pelos modelos urbanos e arquitetónicos de estados autoritários como a Itália ou a Alemanha, [mas] foram postas em prática sem um discurso ideológico a favor da monumentalidade como estética do poder, defesa da ordem ou representação da identidade nacional”.

No entanto, a Cidade Universitária de Coimbra como exemplo da retórica monumental do Estado Novo, é um aspeto assumido “por associação aos modelos que se referencia e pelo seu próprio resultado formal”, explica Susana Constantino no documento.

No interior dos edifícios, os painéis nas paredes da entrada têm em conta a própria faculdade em que se encontram.

Na Faculdade de Letras, de um lado, observam-se figuras relativas à memória literária da história de Portugal.

No outro lado, estão grandes heróis nacionais, sobretudo, dos descobrimentos.

No Departamento de Matemática, por exemplo, faz-se alusão a matemáticos famosos.

Todos estes aspetos remetem para um certo apelo nacionalista característico do Estado Novo, para além da ideia de valorização da história portuguesa.

No fundo era sobre isto o que o conjunto de edifícios procurava representar: “criar um espaço mais amplo, que servisse o facto de existirem mais alunos na universidade, mas um espaço clássico em termos arquitetónicos, que também passasse uma imagem de poder e nacionalismo”, explica Sara Dias-Trindade.

“O que muita gente não sabe é que, no local onde foi construído o Departamento de Matemática, existia um castelo. A maior parte das pessoas nem sonha que existia um castelo em Coimbra”, revela a docente da UC.

Sara Dias-Trindade explica que, observando o Aqueduto de São Sebastião com atenção, vê-se que não tem um fim. Termina de repente e nota-se que a sua continuação foi interrompida. Essa zona corresponde ao começo do Castelo de Coimbra, que se posicionava sobre uma colina, com vista para o rio Mondego.

Segundo a professora, o mesmo acontece com o Colégio de São Jerónimo, que tem parte de uma das paredes exteriores danificada, uma vez que nesse espaço fazia-se ligação a alguma parte do castelo ou à muralha que por lá passava, mas que hoje em dia já não existe.

Item 1 of 3

Para Sara Dias-Trindade, a Cidade Universitária de Coimbra já não existe, nem fazia sentido existir, visto que já foram criados também o Polo 2 e 3, que são afastados do Polo 1. A universidade não está concentrada num só espaço fechado, o que revela ser um aspeto positivo para a docente, porque não dá a ideia de isolamento perante o resto da cidade de Coimbra.

“Circula-se por estes espaços [do Polo 1] e não passa pela cabeça toda a dinâmica daquilo que significam”, afirma Sara Dias-Trindade. Acrescenta ainda que a cidade foi crescendo de outra forma e a partir de valores distintos dos que eram propagados pelo Estado Novo. “O próprio acesso à universidade já se faz por muitos outros caminhos e não só pelas Escadas Monumentais”, relembra.

De acordo com o estudo realizado por Susana Constantino, Coimbra e o valor identitário da retórica do Estado Novo, num sentido paradoxal, a Cidade Universitária é considerada como símbolo da cidade. “Passados os anos imediatos ao final do regime e à proximidade dos seus efeitos, a leitura dessa retórica [da Cidade Universitária de Coimbra] foi conscientemente assumida como uma etapa da história nacional”, descreve Susana Constantino no artigo.

“Com a classificação de património mundial, a Alta de Coimbra voltou, uma vez mais, a ser valorizada como um lugar de tradição e de memória coletiva”, continua. Apesar de alguns opositores, “o projeto foi apresentado e aceite como uma visão progressista para a cidade que esta adotou com orgulho”, o que implicou a aceitação de “uma das mais poderosas expressões da arquitetura monumental do Estado Novo”.