Não deixe o samba morrer

Era na Praça do Comércio que o Samba da Restauração levava alegria para as ruas toda segunda-feira. Após 1 ano trazendo vida para Coimbra através de sua música, o grupo foi impossibilitado de tocar por um fator: a falta de uma licença. Com o seu público já fiel, os sambistas se mantém firmes e em busca de conseguir voltar a tocar o seu samba em nome dos trabalhadores da restauração.
O princípio do Samba da Restauração é proporcionar a alegria da roda de samba “para os que servem as mesas, cozinham e dedicam os finais de semana à diversão dos outros”.
A democratização da diversão

O início do projeto
O samba da restauração foi criado por quem gosta de samba. O seu projeto inicial não visava a criação de um grupo, mas sim a criação de um movimento. Tudo começou com a frustração de Roberto Félix, que ao trabalhar na restauração da Praça do Comércio se viu impossibilitado de frequentar rodas de samba.
Tudo o que acontecia relacionado ao samba, em Coimbra, ocorria nos finais de semana, nomeadamente, na sexta, no sábado e no domingo. Roberto afirma que “nunca participava” e que não praticava o lazer durante as suas folgas em dias semanais.
Assim, por uma necessidade de suprir esta falta de “frequentar rodas de samba, de estar com os amigos e de tomar uma cerveja”, Roberto iniciou o seu projeto na Praça do Comércio, junto ao seu amigo Ronaldão, proprietário da Tasca do Ronaldão, que partilhava das mesmas frustrações e necessidades.
O fundador do grupo brinca que o projeto foi “até egoísta” e justifica sua fala dizendo: “a gente faz isso para nós mesmos”. O essencial para o grupo era poder ir para a rua e tocar, estar em contato com as pessoas e, claro, aproveitar os seus dias de folga da forma como gostariam.
A nossa ideia sempre foi privilegiar esses trabalhadores, da restauração, que trabalhavam sábado, trabalhavam aos domingos, trabalhavam sexta a noite, e que não tinham um dia de lazer, para ouvir a música que gosta, que afaga um pouco o coração e que mate um pouco da saudade.
O Samba da Restauração é composto por sete integrantes, nomeadamente, Roberto Félix, Ronaldão, Alfredo Alves Filho, Kelvin Oliveira, João Brito, Sam Guilherme e Jeferson de Paula Lopes. E o seu nome foi apadrinhado pelo próprio Roberto, fundador do projeto, ele afirma que, como a ideia sempre foi buscar privilegiar os trabalhadores, o nome “não podia ser diferente”.
A ideia era criar uma roda de samba que nascesse sem ponto de referência, nascesse na rua, que é o lugar mais democrático que se pode ter. Tocar às segundas-feiras era a forma de prevalecer o espírito de liberdade. Assim nasceu o Samba da Restauração, de encontros despretensiosos entre amigos no Bar Coral, onde pessoas começaram a se aproximar, sambar, beber, e de repente, a coisa foi acontecendo.
A primeira roda de samba
O dia 10 de abril de 2023 marcou a primeira roda de samba oficial do grupo. Trazendo vida para os dias mais estáticos de Coimbra, o Samba da Restauração trouxe energia para a Praça do Comércio, com sua alegria, entusiasmo e, principalmente, com o seu samba. “Ninguém fez o que a gente se propôs a fazer”, declara Roberto Félix.

Na hora que a gente pega o instrumento e começa a tocar, é sorriso aqui, é um brincando com o outro e interagindo com o público. É muito maravilhoso, é gratificante demais.
Ao completarem 1 ano como grupo, o Samba da Restauração destaca que nunca cobrou entrada para nenhum evento que participou ou realizou. “É algo que a gente quer manter, para democratizar mesmo a participação das pessoas”, ressalta Roberto.
Em sua estrutura orgânica, o Samba da Restauração entende-se como um retrato da imigração brasileira em Portugal, mas não busca um espaço restrito a estes indivíduos, mas sim um espaço livre para todos, como também portugueses e turistas de diversas nacionalidades. É só chegar, se acomodar onde se sentir confortável e aproveitar a alegria que o samba tem para proporcionar.

Fotografia via instagram sambadarestauracao
Fotografia via instagram sambadarestauracao

Roberto Félix. Fotografia por Lara Costa
Roberto Félix. Fotografia por Lara Costa

Fotografia via instagram sambadarestauracao
Fotografia via instagram sambadarestauracao

Ronaldo. Fotografia por Lara Costa
Ronaldo. Fotografia por Lara Costa

Alfredo Alves Filho e Jeferson de Paula Lopes. Fotografia por Lara Costa
Alfredo Alves Filho e Jeferson de Paula Lopes. Fotografia por Lara Costa
A arte do samba de roda

O samba de roda foi entendido como Obra Prima da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Este estilo musical é uma manifestação cultural que engloba a dança, a música e a poesia, mas para além disso, o samba é uma manifestação de amor e união. Sendo assim, um bom samba é também uma forma de encontro e de diversão, duas palavras que definem a essência do grupo Samba da Restauração.
É evidente que a cultura brasileira e suas formas de manifestação, não conferem apenas a uma identidade aos brasileiros imigrantes. Tais manifestações culturais exercem um papel de acolhimento com estes indivíduos, e a música ocupa um papel fundamental nesse lugar.
Ronaldo expressa com grande emoção a importância que o samba tem em sua vida, e afirma que sem o Samba da Restauração não teria forças para continuar sua vida em Portugal. Para ele, o Samba sempre foi família, o momento que o proporciona felicidade plena, “eu sentia muita falta, tanto de familiares, primos, amigos”, relata.
O samba da restauração agregou muito e a gente tá muito mais presente, confraternizando juntos, com a banda, as mulheres de todo mundo, mãe, pai. A gente tá sempre junto, é onde amenizou.
O lugar de inspiração
Para Roberto e Ronaldo o samba carrega, em suas vidas, uma história que remete a casa e a identidade dos músicos. O Samba da Restauração, em suas origens, veio de inspirações dos seus co-fundadores, sobretudo o samba do trabalhador — uma roda de samba que ocorre, assim como o início do grupo, todas às segundas-feiras.
O samba do trabalhador nasceu com necessidades parecidas com as do grupo. Ele surge da vontade de estar com os amigos e se divertir, de um lugar onde trabalhadores que não conseguem aproveitar as festas nos finais de semana, possam usufruir do descanso e alegria da roda de samba
Samba do trabalhador
Ronaldo refere que a busca por essas manifestações e inspirações é inevitável, já que “essas pessoas já estão na estrada há muito mais tempo”.
Cenário Atual

A Praça do Comércio
Atualmente, o grupo já se encontra há mais de um mês sem poder tocar na Praça do Comércio. Em um dia de roda, uma fiscalização policial apareceu e contestou o grupo sobre qual autorização eles tinham para tocar no espaço. Sem a licença necessária para que o Samba possa existir, o grupo se viu obrigado a parar com seu projeto no local.
De fato, o Samba da Restauração surgiu de um lugar despretensioso e informal. O seu único objetivo sempre foi trazer a alegria com a música para pessoas que não podiam ter acesso a este tipo de entretenimento nos finais de semana, por conta de seus trabalhos.
O movimento do grupo, segundo Roberto, “tomou muita proporção, a coisa ficou de uma tamanho enorme”, os trabalhos da restauração — cozinheiros, garçons, faxineiros, etc — encontraram ali, um lugar para poderem aproveitar as suas folgas. No entanto, os beneficiários não eram apenas estes trabalhadores, a movimentação na segunda-feira agregou também os comerciantes da Praça do Comércio, como os bares e restaurantes ao redor.
“Nós temos o apoio de todos os comerciantes”, afirma Roberto. O co-fundador relata que enquanto o grupo tocava as pessoas ao redor encontravam formas de agradecer aos músicos, “levavam um gelado ou uma cerveja” e que “o que eles podiam fazer por nós lá, eles faziam”.
Agora, com o apoio da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC) junto ao Bar Coral, o grupo luta por uma licença anual que os permitam exercer o que mais gostam — a arte. Robert Souza, proprietário do Bar da Coral, lamenta a situação: “é triste, porque as pessoas de fato adotaram o grupo, se identificaram com o projeto, eles tem um grupo fiel”
O empresário, que também é diretor da APBC, foi para o Samba da Restauração um dos motivadores e parceiros do movimento. O que um dia foi uma simples reunião entre amigos se transformou em um dos dias mais lucrativos e esperados do seu estabelecimento. “Coimbra chegou a dar de graça para o turista uma recepção dessa”, relata Robert.
Além disso, o Bar Coral passou a oferecer nas segundas-feiras que o Samba da Restauração tocava, cerveja mais barata para que os trabalhadores pudessem realmente aproveitar o seu lazer, ter um lugar para se divertir e se sentirem bem. Ronaldão comenta que, hoje, diversas pessoas perguntam: “vai ter samba na segunda?”
Ronaldão afirmou que a única coisa que o grupo almeja é “ter a licença para tocar na Praça do Comércio”. O proprietário da Tasca do Ronaldão lamenta a forma como as coisas são burocráticas em Portugal, “é licença de ruídos, recinto e diversões, licença de autores”. Até para poder usar o espaço do seu café é necessário que uma série de burocracias sejam cumpridas.
Novas possibilidades
O grupo afirma que caso não consigam a licença para tocar na Praça do Comércio, o objetivo será migrar para outras partes da cidade. A ideia principal prevalece: o samba tem que acontecer para as pessoas que folgam na segunda e na terça.
O Samba da Restauração não veio para tomar lugar de ninguém. É para nós se divertir e divertir as pessoas que gostam de nós. O espaço tem para todo mundo, tem para todo músico. Só queremos tocar o nosso samba.
Apesar de serem impossibilitados de fazer o seu samba na Praça do Comércio, o grupo ainda recebe convites, das pessoas que os acompanhavam, para tocar em outros lugares. O fundamental para eles é que as pessoas tenham acesso e possam participar. “Nós não costumamos negar os convites que recebemos, mas a nossa diversão é ali, naquele lugar”, diz Roberto.
Por Lara Costa
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