O ensino em tempos de coronavírus

Foi a 19 de março de 2020 que teve início o estado de emergência em Portugal. Esta medida apareceu como resposta à pandemia do novo coronavírus e fez com que o país parasse de um momento para o outro. Os números da Organização Mundial de Saúde (OMS) dão conta de cerca de cinco milhões e meio de infetados em mais de 200 países e territórios até ao dia 24 de maio. A perda de vidas humanas continua a ser a principal preocupação e já são contabilizadas 347 mil mortes. A grande maioria dos negócios tiveram de fechar portas por não serem negócios na primeira linha de necessidades. Escolas e Universidades pelo país fora trocaram as aulas presenciais pelas online e, desta forma, deixaram muitos alunos e professores sem rumo. São tempos nunca antes vividos e a situação é única. Por todo o país, milhares de estudantes tiveram de se adaptar à chegada do vírus, e nem todos podem dizer que essa adaptação foi bem-sucedida pois o ensino online não funciona de maneira igual para todos.

Sem a habitual rotina de acordar cedo para tomarem banho, vestirem-se, comerem e deslocarem-se até à faculdade, os estudantes acordam pouco tempo antes do início das aulas e muitos deles apenas se levantam da cama e vão diretamente para a secretária. Muitos alunos se queixam do mesmo: falta de tempo. Rafaela Garcia, estudante de Psicologia na Universidade de Aveiro, confirma que, desde que as aulas online começaram, tem mais trabalho para fazer, diariamente, do que quando tinha aulas presenciais. “Apesar de ter mais tempo livre e ser mais fácil dividir as minhas tarefas, grande parte do trabalho que era feito durante as aulas presenciais, principalmente a nível prático, é agora feito fora delas, o que, consequentemente, exige mais esforço”, revela a estudante. Filipa Ribeiro estuda economia no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e está no “mesmo barco” que Rafaela. “Os professores exigem a entrega de mais trabalhos e é notória a falta de organização entre os coordenadores das cadeiras, uma vez que muitos trabalhos têm de ser entregues nos mesmos prazos”, afirma.

Espaço de estudo de Ricardo Pimenta, estudante de Gestão pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

O Online é agora, mais do que nunca, uma realidade para todos os estudantes. Um pouco por todo o mundo, os alunos estão a ter aulas através de serviços como o Zoom, uma das várias plataformas que disponibilizam serviços de conferência à distância. Os alunos reúnem-se com os seus professores em videoconferência, podendo ter o microfone e a câmara ligados, e analisam o material fornecido pelos docentes através da partilha de ecrã. Bruno Santos está no segundo ano de licenciatura em Jornalismo e Comunicação pela Universidade de Coimbra. Para o estudante algarvio, as aulas online “chegam a ser desgastantes” e confessa já se ter sentido ansioso várias vezes. “O sentimento de ansiedade tem sido recorrente e o facto de não saber como será o meu próximo ano de aulas também me deixa ansioso”. Mas Bruno não é o único. De acordo com o formulário “Aulas online em tempos de coronavírus”, ao qual responderam 115 estudantes, mais de 85% dos alunos já se sentiram ansiosos ou stressados com as aulas online.  Um total de 98 estudantes responderam “sim” à pergunta “desde que começaram as aulas online já te sentiste ansioso ou stressado?”, revelando que o ensino à distância não está a ser algo positivo para a maioria dos alunos. Ainda no mesmo formulário, 82 dos 115 estudantes revelaram estar desmotivados por ter aulas a partir de casa.

Percentagens do formulário "Aulas online em tempos de Coronavírus"

Percentagens do formulário "Aulas online em tempos de Coronavírus"

No geral, verifica-se que o ensino online não está a ser fácil para os alunos, mas para os professores a conversa repete-se. Maria José Carneiro, professora de História há 34 anos, sente ter muito mais trabalho agora. “Neste tipo de ensino, o tempo é mais precioso e escasso. Trabalho muito mais e sempre com a sensação de trabalho incompleto pois o horário de trabalho prolongou-se e as tarefas multiplicaram-se”, afirma. João Miranda, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, diz que “a adaptação a este novo contexto significou um aumento substancial da carga de trabalho” pois esta circunstância levou a uma adaptação das aulas, dos modelos de ensino e, em alguns casos, dos modelos de avaliação, exigindo um maior nível de atenção por parte dos docentes nas aulas síncronas. “Esta nova situação implica uma disponibilidade mais permanente por parte dos docentes, mesmo fora do período letivo e laboral, o que tenderá a contribuir para um contexto de sobretrabalho”, refere João Miranda. Segundo o professor da Faculdade de Letras, esta sobrecarga de trabalho “pode refletir-se num aumento da sensação de fadiga ou mesmo em sintomas enquadráveis em burnout.” A tudo isto, ainda acrescenta “a situação do confinamento social e do isolamento profissional, o que impossibilita momentos regulares de discussão ou convívio entre pares. Neste sentido, o professor afirma que “a situação tende a contribuir para um aumento da ansiedade e do stress relacionados com o trabalho”.

O isolamento social e as várias fases de emergência nacional e de mitigação do coronavírus, que põem em causa a conclusão do ano letivo tal e qual como o conhecemos, exigem também dos professores competências pedagógicas adaptadas ao ensino à distância, bem como o acesso a ferramentas para as quais não tinham tido a formação e a preparação prévia necessária. Carlos Camponez é professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e tal como muitos outros colegas, nunca tinha passado por algo deste género. Para Carlos Camponez, alguns alunos não se adaptaram tão bem a este novo método de ensino e acabaram por se perder nas possibilidades de acesso pois “são vários os alunos que não têm fácil acesso à internet, às aulas e aos conteúdos”. Alguns entraves que o professor da Faculdade de Letras encontrou na lecionação das suas aulas foram as dificuldades técnicas. Carlos Camponez teve de investir em novos equipamentos para fazer chegar aos seus alunos o melhor conteúdo possível, sem falhas. A mudança repentina do tipo de ensino “implicou um gasto de tempo e também de recursos que não estava à espera”. Tal como Maria José e João Miranda, Carlos Camponez também viu o seu stress a aumentar. “o stress foi uma constante deste período que resultou da necessidade de responder a uma situação a curto prazo com meios e com contextos que não tinham sido pensados e que nós, docentes, não estávamos preparados para utilizar. Tudo isto criou um stress anormal relativamente ao que era costume”. O professor revela ainda que, em tempos de coronavírus, a sua média diária de horas de trabalho ronda as 12 horas, incluindo fins-de-semana.

"Em unidades curriculares que implicam interação e discussão permanentes, bem como uma participação mais ativa dos docentes e dos estudantes, esta questão está longe de ser um pormenor."

Professor João Miranda

Sendo inquestionável a valorização dos profissionais de saúde que se encontram na linha da frente, é importante elogiar o esforço sobre-humano que os diretores das escolas, professores e pessoal não docente têm feito para se reinventarem com a presença da covid-19, num espaço de tempo mínimo em que tudo mudou e nada é como antes. O que vivemos nos dias de hoje, poderá constituir um momento na história do contexto educativo marcante para a reestruturação futura do ensino em Portugal. 

Imagem 1 – Jornal de Notícias
Imagem 2 – Por Maria Silva
Imagem 3 – Formulário “Aulas online em tempos de coronavírus”.
Imagem 4 – Cedida por Maria Monteiro, estudante de Jornalismo e Comunicação pela Universidade de Coimbra.
Imagem 5 – Cedida por Bruno Santos, estudante de Jornalismo e Comunicação pela Universidade de Coimbra.