O preço a pagar pela independência na Cultura

A incerteza e a independência no setor cultural andam, muitas vezes, lado a lado. Períodos de interrupção da atividade, a necessidade de recorrer a outras fontes de rendimento e um calendário imprevisível de projetos caracterizam frequentemente o trabalho cultural. A paralisação da atividade artística, causada pela pandemia de Covid-19, veio agravar algumas das dificuldades já sentidas pelos profissionais independentes.

Segundo o relatório “Emprego cultural e perfis social e laboral”, publicado pelo Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC), cerca de um terço do emprego cultural corresponde a trabalho por conta própria. Apesar da maior liberdade criativa dos profissionais independentes, não trabalhar por conta de outrem implica fazer face a uma série de desafios. A independência implica realizar tarefas que normalmente seriam distribuídas por vários trabalhadores. Apesar da maior flexibilidade, quando se fazem os próprios horários, é muitas vezes difícil assegurar um calendário fixo de trabalhos ao longo do ano. São muitos os profissionais que não conseguem assegurar os rendimentos mínimos através da Cultura e recorrem a outras atividades, dentro ou fora do setor.
O relatório do OPAC, referente a inquéritos feitos aos trabalhadores independentes da Cultura em 2019, revelou que 55% dos inquiridos confessaram desempenhar mais do que uma atividade profissional. A informalidade dos vínculos laborais é também destacada, com cerca de 38% da amostra a admitir prestar serviços sem contrato ou a recibos verdes. Verifica-se entre estes trabalhadores uma certa naturalização de períodos de interrupção da atividade artística e algum distanciamento dos mecanismos de enquadramento laboral, sobretudo entre os mais jovens. Segundo os dados do OPAC, a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais as dificuldades sentidas por estes trabalhadores e provocou o triplicar do desemprego no setor, entre 2019 e 2020.
Relações Laborais e Rendimentos
O segundo Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e da Cultura (IPIAC), sobre as “Relações laborais e as remunerações”, publicado pelo OPAC, evidenciou “características dominantes como a informalidade, a raridade da formalização de contratos” e a “curta duração dos vínculos”. Além disso, 84% dos profissionais destacam a negociação individual como a mais frequente e 47% dos inquiridos revela não ter um quadro temporal de trabalho previsível. Em média, os trabalhadores indicaram um período de cerca de quatro meses sem atividade remunerada na Cultura, em 2019.
Fonte: OPAC, ESAC/IPIAC, 2020
Para muitos trabalhadores, a continuidade no setor depende mesmo do desempenho de trabalhos fora da área artística, evidenciando a necessidade da pluriatividade para assegurar rendimentos mínimos. Cerca de 35% dos profissionais inquiridos admitem que uma parte significativa dos seus rendimentos não provém do setor cultural e 15% revelam que a maioria dos vencimentos provem de outros setores.
Enquadramento Laboral
O último relatório referente ao IPIAC, publicado pelo OPAC, reflete sobre o enquadramento laboral dos profissionais independentes, em 2020. Segundo o relatório, é “comum a ideia de que as disposições legais são desadequadas à especificidade do trabalho artístico, ou mesmo que não são cumpridas, eventualmente nem fiscalizadas”. Os profissionais apontam que existem ainda muitas atividades artísticas que não são reconhecidas nas nomenclaturas, o que contribui para uma maior fragilidade.

Fonte: OPAC/IPIAC, 2020
Fonte: OPAC/IPIAC, 2020
Apesar da grande adesão ao enquadramento laboral, sobretudo na Segurança Social, os profissionais culturais mais jovens têm menos registos do que os colegas mais velhos. Muitos trabalhadores optam por não definir enquadramentos devido à interrupção frequente da atividade artística, que torna mais difícil o cumprimento de responsabilidades e impostos que resultam desses vínculos.

Respostas dos inquiridos relativamente às razões para a interrupção da atividade profissional no setor cultural. Fonte: OPAC, ESAC/IPIAC, 2020
Respostas dos inquiridos relativamente às razões para a interrupção da atividade profissional no setor cultural. Fonte: OPAC, ESAC/IPIAC, 2020




Um músico fora da caixa
Para Gerson Marta, músico de vinte anos, o enquadramento laboral não é uma prioridade. Gerson provém de uma família musical: os seus tios, o seu pai e a sua irmã cantam e ele não é exceção. A experiência dos seus familiares faz com que o vocalista conte com conselhos acerca da sua carreira profissional. “Não tenho atividade aberta porque o meu pai avisou-me para não o fazer se não tenho rendimentos recorrentes”, afirmou o cantor, “por enquanto distancio-me disso, quando a cena começar a ser mais fixa, penso melhor”, acrescentou.
Originário de Luanda, Angola e residente em Coimbra, Gerson Marta manifestou o seu interesse pela música desde muito cedo, quando tinha apenas oito anos. “Eu lembro-me especificamente de quando olhei para mim mesmo e fiquei, ‘yah, eu quero ser daqueles músicos grandes’, foi quando o Michael Jackson morreu”, declara o músico. O interesse solidificou-se aos 16 anos, quando atuava com uma banda e se começou a dedicar mais seriamente à música. Mais tarde, o artista sentiu que não tinha tanta liberdade criativa num grupo musical e começou a sua carreira a solo.
O cantor mostra dificuldade em definir o seu trabalho porque confessa ter herdado o problema do seu pai. “O meu pai tem exatamente o mesmo problema que eu, acho que ele me passou esse problema a mim, nós queremos fazer de tudo”, confessa. Porém, Gerson frisa que o “mundo da música não funciona assim”, o vocalista refere que a falta de um "nome grande" faz com que tenha de “pertencer a uma caixa”. Contudo, o artista tenta não se limitar a um género de forma exclusiva, com três músicas lançadas de “estilos completamente diferentes”.
Apesar do portfólio público reduzido, Gerson tem mais de cem músicas escritas e cerca de dez gravadas, esperando lançar um álbum até ao final deste ano. Os períodos de confinamento fizeram com que fosse impossível atuar e mais difícil de fazer planos para o futuro. A última vez que deu um concerto foi no verão de 2020 e o cantor admite que sentiu “saudade de tocar ao vivo”.
Atuação de Gerson Marta no programa "Conversas ao Sul", na RTP África
As relações que estabelece com os seus contratantes são informais, apesar de ter sido aconselhado pelo seu tio a arranjar uma equipa que trate da formalização dos vínculos laborais. “A maioria do pessoal que trabalha nos estabelecimentos, quando fala diretamente com o artista, assume que está numa posição superior e brincam mais com o preço”, explica Gerson.
Como complemento à atividade musical, Gerson trabalha com a Face Models Agency como modelo comercial. Por enquanto, a falta de concertos faz com que o músico de vinte anos não consiga assegurar os rendimentos mínimos através da música, levando-o a considerar procurar trabalho fora da área.
Gerson Marta sobre pluriatividade
O músico menciona que o setor cultural é muito desvalorizado em Portugal. “Assim que tu tirares o setor cultural em Portugal, o país não é absolutamente nada” e acrescenta que “há uma estranha ideia contra investir na Cultura”. Atualmente, o jovem está a estudar no curso de Estudos Artísticos, em Coimbra, e sente que há “muito preconceito”. Gerson não considera que existe o mesmo mérito atribuído aos cursos artísticos face a cursos como Direito ou Medicina. Segundo o Barómetro Gerador Qmetris 2021, cerca de 85% dos portugueses defende o aumento do Orçamento do Estado para a Cultura e 72% revelam-se insatisfeitos com as medidas do Estado para o setor. Porém, o cantor sublinha que, muitas vezes, são os profissionais da Cultura que se apoiam uns aos outros face à desvalorização que é sentida por parte da população geral.
Gerson Marta sobre a desvalorização do setor cultural

Fonte: Gonçalo Cunha
Fonte: Gonçalo Cunha

Fonte: Joana Costa
Fonte: Joana Costa

Fonte: Joana Costa
Fonte: Joana Costa

Fonte: Gonçalo Cunha
Fonte: Gonçalo Cunha

Fonte: Débora Cruz
Fonte: Débora Cruz

Fonte: Gonçalo Cunha
Fonte: Gonçalo Cunha
A Cultura é um "tiro no escuro"
Gonçalo Cunha é videógrafo e, tal como Gerson, também sente que a partilha de experiências entre os trabalhadores da Cultura faz com que artistas se apoiem mutuamente. Porém, o profissional independente de 24 anos confessa que a existência de competição e rivalidade entre colegas também é visível.
Gonçalo Cunha sobre apoio e rivalidade no setor cultural
Para Gonçalo, o interesse pelo vídeo surgiu na adolescência, através da música. “Quando tinha uns 13 anos pensava que gostava muito de entrar numa banda, ser músico e viajar pelo mundo, depois percebi que não era muito o meu lado, mas os videoclipes foram algo que sempre me interessou”, declara. Mas o “interesse a sério”, como define, surgiu durante o ensino superior. Natural de Coimbra, Gonçalo estudou Som e Imagem na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Terminou o curso em 2019 e está a ponderar candidatar-se a um Mestrado na mesma área.
Durante a licenciatura desenvolveu alguns trabalhos relacionados com o curso e o primeiro projeto remunerado surgiu quando era finalista. “Edições caóticas”, "fora do normal” e “transições berrantes” são as expressões que utiliza para caracterizar o seu estilo de preferência. “O meu estilo acaba por ser assim mais cru, mas tenho de atender a cada situação, não posso sempre aplicar esse estilo se for fazer um vídeo para um cabeleireiro ou um café”, explica Cunha.
Videoclipe realizado por Gonçalo Cunha para o artista QUANTICO
O videógrafo afirma que, neste momento, não consegue que a atividade artística seja um emprego a tempo inteiro e, para assegurar rendimentos fixos, Gonçalo trabalha na FNAC Coimbra. Apesar de desejar dedicar-se apenas ao vídeo, o trabalho na FNAC também lhe permite estar ligado à cultura. Gonçalo é responsável pela comunicação e organiza os eventos em loja, que são uma “forma de conseguir mais ou menos estar ligado a vídeo já que temos a hipótese de gravar qualquer evento que lá passa”, declara. Conciliar duas atividades nem sempre é fácil devido aos horários, mas o emprego fixo é uma forma de combater a imprevisibilidade que caracteriza o seu trabalho artístico.
“Ninguém se enfia no setor da cultura porque decidiu que era a maneira mais fácil de ser rico. É um setor que tem muita diversidade, mas também é muito imprevisível. Tem sido sempre um bocado um tiro no escuro, mesmo antes da pandemia, porque nunca sabia quando é que ia ter algum projeto”
Apesar da imprevisibilidade, antes da chegada do novo coronavírus Gonçalo sentia uma maior facilidade em agendar projetos com segurança. A pandemia também obrigou o videógrafo a adiar e a cancelar projetos que estavam já marcados com meses de antecedência.
Gonçalo Cunha sobre o cancelamento de projetos devido à pandemia de Covid-19
A imprevisibilidade é frequentemente acompanhada pela desvalorização do setor, o que agrava as dificuldades sentidas. Gonçalo afirma que muitos portugueses esperam da cultura preços baixos ou gratuitidade sem reconhecer o esforço dos profissionais e o tempo e dinheiro que é investido nos projetos.
Gonçalo Cunha sobre a desvalorização do trabalho cultural

Fonte: Hugo Pires
Fonte: Hugo Pires

Fonte: João Duque
Fonte: João Duque

Fonte: Hugo Pires
Fonte: Hugo Pires
O "estereótipo do cinema português"
No cinema, a desvalorização e a falta de reconhecimento também é sentida pelos profissionais. Fábio Rebelo é realizador e frisa que existe um “estereótipo do cinema português”, que é desvalorizado comparativamente a projetos internacionais. O artista de 26 anos explica que o que diferencia os profissionais portugueses e os internacionais não é o talento, mas a falta de investimento. “Em Portugal, a Cultura recebe menos de um 1% do Orçamento do Estado e há inúmeras pessoas a tentar ter apoios, mas são sete cães a um osso”, salienta o realizador.
Fábio Rebelo sobre a desvalorização do cinema português
O interesse de Fábio pelo cinema e realização surgiu quando tinha cerca de 20 anos e planeava um futuro num rumo completamente diferente. “Quando tive de tomar uma decisão mais séria sobre a faculdade, eu ia para Engenharia e à última da hora mudei para Cinema”, afirma o realizador de Lisboa. Rebelo estudou Cinema, Vídeo e Comunicação Multimédia na Universidade Lusófona de Lisboa e, através de um estágio, conseguiu um emprego na Academia Mundo das Artes (AMA), onde trabalha atualmente como Diretor Técnico.
Por enquanto, o emprego na AMA é necessário para assegurar rendimentos porque os trabalhos pessoais que realiza não são remunerados. “Eu tenho uma série de limitações associadas: sou eu que financio os meus filmes, não quero gastar muito dinheiro e filmo em locais a que tenha acesso”, sublinha Rebelo. Até agora, Fábio tem realizado curtas-metragens cujas aprendizagens e experiência irão culminar na primeira longa-metragem que vai filmar em janeiro de 2022.
“O meu objetivo é eu poder viver só dos meus projetos pessoais, mas agora nesta fase inicial da minha vida e da minha carreira é claro que isso não vai acontecer e portanto trabalho e vou poupando o que consigo. O que poupo é para os meus filmes, vou juntando sempre com a ideia de usar para o próximo projeto”
Fábio Rebelo vai pedir apoio financeiro ao Cinema Audiovisual Português (ICA) para realizar a sua primeira longa-metragem, mas admite que pensa sempre na “pior das hipóteses”. O artista afirma que irá fazer o projeto mesmo sem ajuda e que a sua mentalidade gira em torno da ideia de realizar “o melhor filme possível” com “o mínimo de coisas”.
"Making of" do projeto "Dual" de Fábio Rebelo
Atualmente, imaginar um futuro em que viva dos seus projetos pessoais é ainda inconcebível. “Não estou confiante, sendo realista, eu se conseguir fazer disto vida certamente não será em Portugal”, sustenta Fábio. O realizador frisa que para assegurar rendimentos através da área do cinema, há que sempre conciliar a atividade artística com outros trabalhos.

Fonte: Fábio Rebelo
Fonte: Fábio Rebelo

Fábio Rebelo quando venceu o prémio MOTELX de "Melhor Curta de Terror Portuguesa 2020" com o projeto "Mata". Fonte: Fábio Rebelo
Fábio Rebelo quando venceu o prémio MOTELX de "Melhor Curta de Terror Portuguesa 2020" com o projeto "Mata". Fonte: Fábio Rebelo
"As pessoas sentem que podem negociar com a Cultura"
André Maçãs é fotógrafo e declara que, num cenário sem pandemia, teria um “futuro risonho”. Contudo, o novo coronavírus faz com que reflita sobre a possibilidade de ter outro emprego para que, mais tarde, se dedique exclusivamente à fotografia. Atualmente, André concilia a atividade artística com um emprego no restaurante dos pais, que assegurou algum conforto durante os períodos de confinamento em que não conseguiu fotografar. Em 2019, começou um curso de dois anos no Instituto Português de Fotografia e a conciliação de atividades tornou-se mais difícil.
“Não posso dizer que vivo da fotografia. Se estivesse a pagar casa, água, luz, gás, o curso, transporte, não ia conseguir pagar as despesas que tenho. Sempre fui juntando algum dinheiro da fotografia, mas se não fossem os meus pais, não ia conseguir”
O fotógrafo de 23 anos começou a sua carreira profissional com cerca de 18 anos e, antes da pandemia, conseguia assegurar um calendário fixo de trabalhos. A fotografar bares, discotecas, casamentos, famílias e retratos, André admite que “quase não tinha um fim-de-semana” livre. O fotógrafo da Mealhada recorda que, quando os estabelecimentos começaram a fechar, tinha cinco serviços marcados e não conseguiu fazer nenhum. A partir desse momento, os trabalhos tornaram-se cada vez menos frequentes. "Andava nos 80 e agora estou quase no -1”, confessa André, acrescentando que em março de 2020 teve que cancelar a sua atividade na Segurança Social para evitar pagar impostos.
Apesar de não formalizar com contratos as relações com os clientes, André Maçãs reconhece os possíveis benefícios e, depois de terminar o curso, irá começar a investir na formalização. “Faz com que as pessoas optem mais pelo nosso trabalho porque é uma coisa mais séria, dá mais credibilidade”, comenta o fotógrafo. André Maças salienta que, muitas vezes, os clientes sentem que podem negociar preços e a formalização poderá contribuir para a resolução desses problemas. O artista considera que a tentativa de negociação se dá devido à desvalorização do trabalho artístico. André sente que a preparação e edição dos trabalhos, as deslocações feitas e o tempo investido não são reconhecidos pela maior parte da população.
André Maçãs sobre a desvalorização do trabalho artístico
O fotógrafo destaca a necessidade dos trabalhadores por conta própria possuírem espírito empreendedor. “O fotógrafo independente tem que lutar por si: é ele que promove o trabalho, é ele que gere as redes sociais, é ele que faz o contrato e as reuniões com o cliente”, salienta. A procura constante da melhoria e evolução do trabalho é também uma prioridade para o artista, que considera a adaptabilidade imprescindível para viver confortavelmente.
André Maçãs sobre a necessidade de evolução constante

Fonte: André Maçãs
Fonte: André Maçãs

Fonte: André Maçãs
Fonte: André Maçãs

Fonte: André Maçãs
Fonte: André Maçãs

Fonte: André Maçãs
Fonte: André Maçãs

Fonte: André Maçãs
Fonte: André Maçãs
A fotografia é uma terapia
Para Inês Serrano, a fotografia é terapêutica. A fotógrafa de 27 anos foca-se, sobretudo, em retratos femininos e intimistas e quer que o seu trabalho não seja visto apenas como fotografia, mas como algo que vai “mais fundo do que isso”, declara. A artista das Caldas da Rainha confessa que estar à frente de uma máquina fotográfica pode ser uma experiência intimidante, mas tenta fazer com que as clientes se sintam o mais confortáveis possível. Um dos seus objetivos com a fotografia intimista é mostrar que “as mulheres são bonitas” e que as boas fotografias são possíveis com qualquer pessoa.
Inês Serrano sobre os seus objetivos com os retratos femininos e intimistas
Inês já fotografa desde 2018, mas começou a sua carreira profissional em dezembro de 2020. A fotógrafa estudou Naturopatia em Lisboa, mas foi-se apercebendo de que não era essa a área a que se queria dedicar exclusivamente. Apesar de admitir não conceber um futuro em que se dedique apenas à atividade artística, optar pela fotografia parece ter sido uma escolha fácil para Serrano. “Sempre tive este bichinho pela fotografia, desde miúda que é uma paixão para mim”, confessa.
Começar a carreira profissional com uma pandemia não fez com que Inês perdesse o ânimo. A fotógrafa aproveitou os períodos de confinamento para se dedicar ao estudo de marketing, de forma a publicitar melhor o seu trabalho artístico. “Hoje em dia, fotógrafos freelancers não podem só saber fotografar, têm de saber marketing e vendas, porque é a partir do contacto e da conexão com a outra pessoa que criamos o desejo de comprarem o nosso serviço”, explica Serrano. Durante a quarentena, Inês admite ter aprendido a valorizar mais o seu trabalho, dando prioridade a trabalhar com clientes que reconhecem o seu esforço e se identificam com a sua arte.
A fotógrafa revela-se assertiva quanto às responsabilidades dos fotógrafos na sociedade. Inês considera que a era digital ofereceu a possibilidade de educar a população relativamente aos investimentos em equipamentos e ao tempo investido num projeto. “A mentalidade portuguesa é ainda de desvalorizar e de dizer que está caro”, sustenta Serrano, salientando que os artistas devem mostrar à população o que vem “por trás daquela fotografia, o tempo que gastámos, o dinheiro necessário para conseguirmos proporcionar aquela qualidade”.
Inês Serrano sobre a desvalorização do trabalho artístico e o papel dos fotógrafos
Apesar dos relatórios publicados pelo OPAC revelarem que o Audiovisual e Multimédia é a área de trabalho mais masculinizada, Inês refere que nunca sentiu, por parte de colegas e clientes, qualquer discriminação. Contudo, dada a natureza dos trabalhos que publica nas redes sociais, confessa receber mensagens impróprias relativas aos retratos intimistas que publica de mulheres. “É instantâneo, é ler a mensagem e bloquear a pessoa, para que não tenha acesso às fotos das raparigas, é uma forma de as proteger”, declara.
Inês Serrano afirma que os trabalhos remunerados estão agora a começar, mas apesar da vontade de trabalhar, a sua agenda irá depender das medidas definidas pelo Governo. A artista afirma ainda não conseguir receber um ordenado fixo todos os meses e admite perceber que pode ser um processo que levará vários meses. A fotógrafa destaca também a importância de ir estabelecendo contratos com os clientes, pois acabam por ser “uma figura de autoridade”, reitera, nomeadamente devido à segurança e aos direitos de autor e de imagem que conferem.
Por enquanto, os objetivos com a fotografia passam por chegar “ao máximo de mulheres possível”. Inês confessa não gostar muito de criar expectativas em relação ao futuro, mas espera continuar a conciliar o lado terapêutico que herdou da Naturopatia, com as sessões fotográficas que realiza com os clientes.
Inês Serrano não acredita em atribuir a culpa das suas dificuldades apenas ao Estado ou à “desvalorização da sociedade perante a arte”. A fotógrafa assegura saber que a necessidade de ser versátil e de “tomar as rédeas” da sua realidade são necessárias para seguir em frente. “Nós temos de nos adaptar, é assim que sobrevivemos, perceber qual é o nosso diferencial para as pessoas quererem trabalhar connosco”, conclui a artista.

Autorretrato. Fonte: Inês Serrano
Autorretrato. Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano

Fonte: Inês Serrano
Fonte: Inês Serrano
Apesar das dificuldades sentidas, desistir da atividade artística não parece estar nos planos destes trabalhadores. As capacidades de adaptabilidade e perseverança parecem ser transversais aos profissionais independentes de todas as áreas da Cultura. Num setor marcado pela incerteza e instabilidade, que foram agravadas pela pandemia de Covid-19, essas qualidades parecem ser obrigatórias para quem se queira singrar artista.
