Sopram ventos de mudança na Baixa de Coimbra
A decadência do centro histórico é uma das principais preocupações na cidade. No entanto, há quem trabalha para mudar a situação e renascer o comércio e a vida dum dos centros com mais história do País.
Quem queira perceber a história de Coimbra, não pode fazê-lo sem olhar para a Baixa da cidade. Foi o grande centro comercial e social até o fim da década de 1990, mas a chegada do século XXI trouxe uma nova realidade para esta zona da cidade. A nova dinâmica dos centros comerciais provocou o fecho de muitas lojas e a consequente deslocalização dos moradores para os bairros mais modernos, situados na zona suburbana da cidade.
Moradores conversam ao pé duma sapataria no Largo do Poço, na Baixa de Coimbra. JORGE N.B.
“O centro deixou de ter habitação, um comércio dinâmico e começou a morrer”, lembra Assunção Ataíde, presidente da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC). A entidade foi criada nos inícios da década de 2000 com o objetivo de dinamizar a zona e lutar contra a sua decadência. No entanto, para a presidente da APBC, a declaração da Baixa como património da UNESCO em 2013 fez com que a zona “começasse outra vez a ser um núcleo de atração” para o comércio.
“O centro deixou de ter habitação, um comércio dinâmico e começou a morrer”
No entanto, Assunção Ataíde aponta para a necessidade de ampliar os horários comerciais para dinamizar mais a Baixa e atrair clientes. “Estarmos fechados depois das 19h faz com que as pessoas que trabalham não consigam fazer compras na Baixa”, critica a presidente da associação. Depois da hora em que fecham as lojas e os cafés, é habitual ver as ruas quase desertas. Assunção, que também é responsável de uma loja, apela assim os comerciantes a “oferecer produto mais estimulante e ter as lojas mais tempo abertas”.
A rua Ferreira Borges, por volta das 15h00. JORGE N.B.
A mesma rua, por volta das 20 horas
Outro dos problemas é o alto preço das rendas que os comerciantes enfrentam e que permanecem nos valores que eram pagos quando a Baixa era o principal polo comercial da cidade. João Francisco Campos, presidente da União de Freguesias de Coimbra (UFC), afirma que “as pessoas têm que se adaptar” à nova realidade.
Dos aproximadamente 700 edifícios e espaços comerciais que existem na Baixa, por volta de 180 encontram-se devolutos. Para reverter esta situação, a APBC trabalha agora em “fazer um levantamento” dos edifícios desocupados e “chamar marcas âncora”. Além disso, destaca o projeto da COL.ECO, uma loja colaborativa que abriu em abril na rua Adelino Veiga e que funciona como uma incubadora social em que se está a dar apoio a 15 microempresas para capacitá-las e dar-lhes autonomia para poderem ocupar outros espaços.
A Rua Adelino Veiga é uma das principais vias da Baixa conimbricense. JORGE N.B.
Além do esforço das associações cívicas e instituições, são importantes também outras iniciativas. Quem representa bem que os ventos na Baixa da cidade parecem começar a mudar é Manuel Tovar, fundador da The Loop, Co., uma empresa de economia social que nasceu como um projeto para intercambiar manuais escolares. A sede da entidade está ubicada na Praça do Comércio e conta com mais de cem empregados. Segundo afirma Manuel Tovar, a decisão de instalar a sede na Baixa tem sido “uma aposta ganha” e agradece que o projeto se tenha “sentido muito acolhido”.
O presidente da companhia refere ainda que a atividade empresarial acaba por dinamizar a zona, desde “que as pessoas vão aos restaurantes da zona” e alguns funcionários “já compraram vivendas perto”. Além de The Loop, nos últimos anos, a Baixa tem sido alvo de várias empresas que se instalaram nas suas ruas. É o caso da incubadora Nest Collective ou da Critical Software, uma empresa tecnológica que conta com 800 funcionários em todo o mundo e que está prestes a instalar a sua nova sede na Baixa.
O escritório de The Loop Co., localizado na Praça do Comércio. JORGE N.B.
Além da dinamização em termos de atividade económica, o outro passo a dar é o que tem a ver com a habitação. A Baixa de Coimbra concentra uma importante quantidade de prédios, muitos vazios. João Francisco Campos, presidente da UFC, defende que as novas empresas “atraem pessoas que querem viver perto do trabalho” e aposta em “levar casais jovens a viver na Baixa”. Para isso, advoga por desenvolver um sistema de "rendas controladas”.
Neste sentido, Assunção Ataíde defende o papel da fundbox “Coimbra Viva”, através do qual a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) tem “recuperado uma série de edifícios”. Contudo, critica que o custo das requalificações provocou que “fosse pretendido vender os edifícios de forma cara” e defende “um equilíbrio de esforços para potenciar as vendas”.
Para melhorar a imagem e atratividade da Baixa, Assunção Ataíde apela também à “corresponsabilidade” de moradores e comerciantes para “trabalhar na questão da higiene” e conseguir que a Baixa seja “bonita e limpa”. A presidente da APBC critica que, uma vez fecham as lojas, “existe lixo depositado à porta dos comercios” e apela à colaboração de todos. “É uma luta do dia a dia, não é Câmara que nos põe tudo limpo”, reforça.
“A Baixa tem de ir pela arte”
Desde a APBC defendem também a cultura como elemento importante na dinamização da Baixa e costumam celebrar eventos de forma frequente para atrair pessoas às ruas. No mês de maio, por exemplo, a Praça 8 de maio acolheu a Festa da Flor e as paredes do Terreiro da Erva foram embelecidas com um evento de graffiti digital. Já em junho, está previsto o Congresso Internacional dos Cientistas, um evento que leva oficinas sobre ciência à rua Ferreira Borges.
Além das iniciativas pontuais, a Baixa conta no momento com importantes núcleos culturais. É o caso do Teatro da Cerca de São Bernardo, casa da “Escola da Noite” e da “Marionet”, companhias com uma importante trajetória. Outro dos exponentes da cultura na Baixa é o Salão Brazil. Localizado no Largo do Poço, o edifício em que se encontra foi uma panificadora, um restaurante e até um salão de jogos. Agora, é uma sala de concertos que acolhe o Jazz ao Centro Clube (JACC), que conta com uma intensa atividade, com concertos, palestras e residências artísticas.
O Salão Brazil foi adquirido pela Câmara Municipal para manter a sua atividade cultural. JORGE N.B.
José Miguel Pereira, responsável pelo JACC, destaca “o simbolismo especial da Baixa” enquanto local histórico e afirma que “é difícil encontrar edifícios” como o Salão “em outras partes da cidade”. José Miguel acredita que “nos últimos dez anos se tem sentido uma melhoria na Baixa”. Contudo, lamenta que “não há um plano para a Baixa” e apela ao trabalho da CMC para “pensar a cidade de forma mais agregadora”, com o intuito de “apoiar as pessoas que querem instalar-se na Baixa”. Em relação ao futuro, o presidente do JACC acredita que os próximos anos vão ser "de profunda transformação".
Outro dos projetos culturais que dinamiza agora essa zona da cidade é o Atélier A Fábrica. O espaço, localizado na rua Simões de Castro, pretende ser um palco onde “democratizar a atividade cultural”, segundo refere a promotora, Élia Ramalho, quem “reconheceu o potencial de fazer cultura na Baixa”. No espaço têm lugar DJ sets, saraus de dança e até conferências de artistas. A adesão desde que abriu em março, afirma Élia Ramalho, está a ser “positiva”.
Os promotores do Atélier trabalham para que funcione em horário regular todos os dias. JORGE N.B.
O futuro passa pelo rio
A maior transformação urbana de Coimbra em décadas está a partir do Mondego
As obras de requalificação avançam de forma lenta. JORGE N.B.
A Baixa está a ser testemunha no momento do começo de um importante projeto de requalificação urbana, localizado na margem direita do Mondego. Com esta reabilitação, a ribeira virá a perder a ferrovia, que vai ser substituída por “uma zona com quiosques, zonas verdes e anfiteatros para o rio”, segundo afirma Ana Bastos, vereadora da CMC. A vereadora avança que “passará a ser uma zona em que as pessoas poderão usufruir de um espaço atrativo”.
Contudo, as obras não estão livres de polémica. O desmantelamento da estação de comboio situada na Baixa, que move mais de um milhão de passageiros por ano, não convence a todos. Luis Neto, membro do Movimento pela Estação Nova, acredita que as obras "estão no certo" mas lamenta que se deva acabar com a ferrovia. "É a melhor entrada para Coimbra. Se a tirarmos, só contribuimos para o declínio da Baixa", realça.
Da Estação Nova saem comboios para Aveiro, Guarda, Figueira da Foz e Entrocamento. JORGE N.B.
Sobre estes planos, o presidente da União de Freguesias defende que a reabilitação “vai levar mais comércio” à Baixa e destaca a importância de executar as obras porque a zona "só se revitaliza com gente”. Assunção Ataíde celebra também o projeto de requalificação: “quanto mais depressa a obra for executada, mais eventos poderemos desenvolver com a parte ligada ao rio”.
Para a profunda renovação que deve acontecer na Baixa de Coimbra, é fundamental também a participação cidadã. Na óptica do presidente da UDF, João Francisco Campos, é preciso “mudar mentalidades” para “criar uma dinâmica que permita que a reabilitação da Baixa seja efetiva”.
No mesmo sentido, a presidente da APBC apela também a incluir “os utentes dos centros de apoio” que existem na Baixa para “serem incluídas efetivamente” e potenciar a sua integração social. Assunção Ataíde conclui que “Coimbra tem de acreditar em si própria, porque tem tudo para ser uma cidade central do mundo”.